Vestida de colombina – era como minha mãe estava no sonho. Uma colombina tardia, o carnaval já longe, mas foi assim que ela me surgiu. Com aquela colombina de um ombro só, o busto apertado por penses, a cintura justa que se abria de repente numa saia muito ampla. Uma colombina vermelha e branca que conheci muito bem, em que os vermelhos da saia eram tiras soltas, em ponta, terminando em pompons.

Há anos não pensava nela, que conheci primeiro numa fotografia. Há anos, também, não pensava em pompons. Mas agora lembro de como fazê-los, foi minha mãe quem me ensinou. Lembro de suas mãos ágeis segurando a tesoura proibida, aquela que as crianças não podiam tocar para que não ficasse cega – a tesoura de costura. Lembro de minha mãe com ela nas mãos, cortando o pedaço de papelão depois de marcá-lo com um copo. A roda recebia então um novo corte, interno, também em círculo, e o que restava era um anel de papelão, no qual devíamos enrolar a lã, enrolar e enrolar e enrolar. Quando tínhamos pronto aquele novelo bem apertado, mamãe tomava-o de nossas mãos e fazia alguma coisa com a tesoura, alguma coisa que nunca conseguíamos discernir direito. Eram cortes rápidos, nas pontas da lã, e de repente, num passe de mágica, lá estava o pompom – pronto.

Terá sido ela própria quem fez os pompons da colombina?

Há anos não a via em sonhos, aquela fantasia, já nem lembrava que um dia existira, sua saia rodada, o corpete de um ombro só, o vermelho e o branco, as anáguas. Por onde estariam, em que misterioso baú se tinham trancado sem que eu me desse conta? E por que minha mãe me surgiu vestida assim, no meio da noite? O rosto pintado, os olhos com traços, o batom vivo. O cabelo arrumado em ondas largas, a pinta num canto da boca. As pernas bem-feitas, saindo de sob a saia, os pés calçados em sapatilhas. Seriam vermelhas, também, como os pompons?

Não sei.

Mas sei, sim, que aquela colombina me pertenceu. Um dia, minha mãe, de mãos sempre hábeis, tirou-a da caixa e anunciou que seria minha fantasia naquele carnaval. Eu não gostei. Queria alguma coisa nova, alguma coisa só minha, uma bailarina cor-de-rosa, toda de lantejoulas, mas ela insistiu. E quando me olhei no espelho, na primeira prova, o que vi? A colombina vermelha e branca, a colombina de um ombro só, tinha murchado em torno do meu corpo de menina. O corpete perdera as penses, já não havia seios que as justificassem. A saia ficara sem roda e tinha sobrado pouco espaço para as tiras vermelhas, que escorriam juntas, os pompons quase se tocando. Faltava o recheio que eu vira na fotografia, de um corpo de mulher. Lembro que chorei – de raiva e inveja.

E voltei a chorar hoje, revendo em pensamento a colombina tardia, a colombina vermelha e branca dos pompons, costurada com esse tecido etéreo e impalpável – mistério tão próximo da morte – que é o tecido dos sonhos.

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