Madeira musical

Soube outro dia que o nosso querido – e tão maltratado – pau-brasil é a melhor e mais perfeita madeira para fabricar arcos de instrumentos de corda. Li isso no Jornal do Brasil, em texto do jornalista Marcelo Gigliotti, segundo o qual a árvore, quase extinta, está sendo replantada em áreas privadas por archetários, isto é, por aqueles que fabricam os arcos para violoncelos e violinos. Foi feito inclusive um documentário sobre o assunto, “A árvore da música”, de Otávio Juliano.

Há uma beleza estranha e triste em tudo isso. A madeira que deu nome ao nosso país servir para fazer música é algo que me encanta, ainda mais se pensarmos no quão musical é a gente que vive por aqui. Segundo um amigo meu que entende do assunto, o Brasil esta entre as três regiões que produziram a melhor música popular do mundo, as outras duas sendo os Estados Unidos e o Caribe. Deve ser verdade. Nada mais perfeito, portanto, que o Brasil tenha sido batizado com um nome de madeira musical. Em contrapartida, isso torna ainda mais chocante o descaso e a barbárie que levaram à quase completa destruição da árvore que é nosso nome próprio, nosso próprio nome.

Em seu texto, Gigliotti lembra que apenas no primeiro século de colonização do Brasil, foram derrubadas dois milhões de árvores. E que os índios ajudavam na derrubada, a fim de trocar madeira por presentes, dados por portugueses e franceses. Mesmo eles, que tinham uma relação tão bonita com a natureza, mesmo eles que usavam a madeira do pau-brasil para fabricar seus arcos (de caça, não de música).

Sendo uma espécie típica da Mata Atlântica, o pau-brasil era árvore abundante em quase toda a extensão do litoral brasileiro, principalmente entre o Rio Grande do Norte e o sul do Estado do Rio. Fico imaginando a beleza das florestas cheias dessa árvore de madeira vermelha. Seus outros nomes – orabutã, brasileto, ibirapitanga, ibirapita, muirapitanga, ibirapitã, pau-de-pernambuco, pau-rosado – ecoam em mim como se fossem a letra de uma canção de Tom Jobim. Este, aliás, foi a vida toda um lutador em defesa da natureza (exceto quando ainda era menino e matava passarinhos, coisa de que sempre se arrependeu).

Como mais de 90 por cento da Mata Atlântica foram arrasados nos últimos cinco séculos, quase não existe mais pau-brasil em estado natural. Só restam poucos exemplares espalhados aqui e ali, a maioria na Bahia, e mesmo assim porque lá havia o costume de usar a sombra dessa árvore para proteger as plantações de cacau. O bicho-homem parece que sente gosto em degradar o planeta.

Mas às vezes ele se redime. E não é só de Tom Jobim que estou falando. A Floresta da Tijuca, no Rio, está aí para provar isso. Em dezembro de 1861, a mando de dom Pedro II, o engenheiro Manuel Archer, auxiliado por seis escravos, homens e mulheres, começou o replantio da Floresta da Tijuca, que havia sido devastada pelas plantações de café. O trabalho, que durou onze anos, resultou na plantação de mais de cem mil mudas, num impressionante exemplo de consciência ecológica, tornado ainda mais espetacular pelo fato de acontecer numa época em que ninguém se preocupava com isso. É uma história tão extraordinária que não sei como a Floresta da Tijuca ainda não foi considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

Essa notícia seria música para os ouvidos de nós, brasileiros.

 

 

(Revista Seleções)