Os órgãos de fiscalização da Prefeitura do Rio de Janeiro decidiram pôr abaixo todos os imóveis dos morros da cidade que apresentem alguma forma de irregularidade em sua construção.

Calma, não se assuste. Claro que a frase acima é uma notícia fictícia. Sabemos muito bem que uma medida dessas seria inviável, impossível, impraticável. Significaria pôr abaixo a maioria das casas de quase todas as comunidades do Rio. Pois então eu me pergunto: por que aplicar a rigidez da lei justamente contra o albergue The Maze, que existe há mais de 30 anos na favela Tavares Bastos, no Catete?

A Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) ordenou a demolição dos seis pavimentos do albergue, sob a alegação de que a construção ameaça desabar sobre as casas de baixo. O órgão da Prefeitura parece irredutível, apesar de todos os esforços feitos nos últimos anos pelo dono, o inglês Bob Nadkarni, para conseguir regularizar a construção. Será possível que não haja uma maneira de se contornar o problema, sem precisar demolir o albergue?

Minha proposta não é de que se burle a lei, mas que haja uma flexibilização, de forma a dar oportunidade para que não se perca uma história tão bonita de amor ao Rio e ao Brasil. The Maze não é apenas mais um hostel, como tantos que têm surgido nos últimos anos. É a materialização da história de amor de um homem por nosso país.

Bob Nadkarni chegou aqui de navio em 1972. Estava a caminho do Equador, mas se apaixonou pelo Rio e pelo Brasil – e decidiu ficar. Algum tempo depois, conheceu a Tavares Bastos e também se encantou. Foi morar lá e se transformou em um benfeitor do lugar – lutou, entre outras coisas, pela instalação, dentro da comunidade, da sede do BOPE (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar), que foi muito importante para a pacificação da favela. E isso dez anos antes das UPPs.

A pacificação no Rio mal começava quando estive na Tavares Bastos em 2010 e conversei com ele. Comemos bolo de chocolate na varanda do albergue, com a beleza da vista se descortinando para nós, o Pão de Açúcar ao fundo. Ouvi, fascinada, as histórias desse inglês tão carioca, generoso e bonachão. Soube depois que ele já tinha ajudado muita gente e era adorado na favela. Talvez tenha incomodado algumas pessoas com sua disposição de lutar pela comunidade. Isso explicaria a chuva de denúncias surgidas contra The Maze nos últimos anos.

Bob Nadkarni foi importante para a consolidação da Tavares Bastos como polo de cinema, tradição que já vinha dos anos 1920, quando Adhemar Gonzaga filmou lá cenas de “Barro humano”. O fato de o lugar ser uma favela pacificada, numa época em que isso parecia ainda um sonho distante, permitiu que, em suas ruas emaranhadas, fossem filmados ou gravados “Orfeu do Carnaval”, “Tropa de elite”, os seriados “Cidade dos homens e “A lei e o crime” e a novela da TV Record “Vidas opostas”, entre outros. Foi também na Tavares Bastos que Hollywood rodou, em 1997, “O incrível Hulk” (nas filmagens, havia trezentos profissionais trabalhando no morro, além de cinco mil moradores participando direta ou indiretamente) e vários clips internacionais como os de Snoopy Dogg e da banda Black Eyed Peas. Isso, para não falar nos inúmeros comerciais de TV.

Bob, que tem uma história pessoal incrível – trabalhou como escultor de naves espaciais no filme “2001 – Uma odisseia no espaço” e foi repórter da BBC –, veio do outro lado do mundo para fazer coisas boas em uma comunidade carioca. E agora queremos botar seu sonho abaixo. Espero – caso isso se concretize – que ele não desista de nós.

 

Matéria minha publicada no jornal O GLOBO de 26 de abril de 2015.

 

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