Como boa carioca, ao saber da notícia de que o Rio tinha sido declarado patrimônio da humanidade pela Unesco, decidi comemorar. E achei que a maneira mais perfeita de fazer isso seria dando um mergulho no Arpoador. Agora que aquele recanto do Rio, já famoso por seu por do sol e por tantos outros motivos, virou também o Largo do Millôr, o Arpoador parece, mais do que nunca, sintetizar o espírito carioca, a tal integração entre natureza e homem que fez o organismo da ONU tomar sua decisão.
E, assim, lá fui eu dar o meu mergulho, aproveitando um intervalo na hora do almoço (coisa que muitos cariocas, nascidos ou não no Rio, costumam fazer).
A segunda-feira era de sol perfeito, um daqueles dias que só temos nos meses de primavera, outono ou inverno — nunca no verão. E digo de sol perfeito porque é um sol macio, permeado por uma bruma que se agarra às pedras, à superfície do mar, trazendo um frescor que nos meses de verão não existe. Outra característica dessas épocas de não-verão é que são períodos de estiagem, e a falta de chuva faz o mar ficar limpo, transparente.
Foi exatamente o que encontrei ao chegar ao Arpoador. Um mar de pequenas ondas, formado por vários tons de verde e azul, um mar onde sem dúvida nadavam peixinhos. Fui até a ponta, ali onde em breve estará plantado o banco desenhado por Jaime Lerner, que fará a silhueta do Millôr se derramar sobre as pedras portuguesas. E desci pela pequena escada que vai dar na areia.
Deixei minhas coisas em um nicho na pedra e fui até a beira d’água. Nem fria, nem quente. Transparente. Cheia de pequenos cardumes, peixinhos quase tão transparentes quanto a água. Era tudo o que eu imaginara. E tudo o que eu queria.
Mergulhei, furei a primeira onda. Fiquei por ali, boiando, olhando todos aqueles azuis. Mas, de repente, percebi uma sombra escura sob a água, a poucos metros de mim. Por um segundo, pensei que fosse um peixe grande, um filhote de tubarão (foi a primeira coisa que me ocorreu). Mas então ele emergiu. E vi que era um pinguim. Emergiu ainda trazendo na ponta do bico o peixinho que tinha acabado de apanhar. Vi seu brilho, antes de ser engolido. E o pinguim tornou a mergulhar, nadando de um lado para outro com uma rapidez espantosa.
Fiquei fascinada. E, como eu, muita gente. Isso me preocupou. E se alguém tentasse pegar o pingüim? E se ele se machucasse?
Olhei em torno, pensando em tomar alguma providência. E só então vi que não era apenas um, mas sim três pinguins que nadavam por ali!
A essa altura os banhistas estavam alvoroçados, todos com seus celulares na mão, tentando fotografar os volteios dos bichinhos, perfeitamente visíveis mesmo quando estavam submersos, tal a transparência da água. Decidi falar com o salva-vidas, que observava tudo de seu posto, com a ajuda de binóculos. Gritei por ele, perguntei se não era melhor avisar ao Ibama, ou ao zoológico. E ele respondeu que não, que os pinguins estavam bem enquanto estavam na água, que o sinal de alerta seria se eles viessem para a areia.
“Além do mais”, disse ele, “de ontem para hoje já apareceram 17!”
Disse isso com a maior simplicidade, com aquele jeito carioca, como se fosse a coisa mais natural do mundo você viver em uma cidade de seis milhões de habitantes, sair para dar um mergulho na hora do almoço em pleno inverno, encontrar uma paisagem perfeita, um mar transparente — e nadar ao lado de pinguins! Pensando bem, acho que o tal título da Unesco já devia ter chegado há mais tempo.
(Folha de S. Paulo)