Eu estava no coro que cantou “Love of my life” junto com Freddie Mercury e o Queen no Rock in Rio de 1985. E no show de Paul McCartney no Maracanã em 1990, no dia que entrou para o Guiness como o maior público de um show de rock na história, com 184 mil pessoas. Eu estava no comício das Diretas, na Candelária, que reuniu um milhão de pessoas em 1984. E estava no Maracanã no Brasil-Paraguai de 1969, quando o Brasil se classificou para a Copa de 70, com um gol de Pelé. Foi o recorde oficial absoluto de público no estádio, 183.341 torcedores – e esse 1 era eu.
Não digo isso para me jactar. Acho mesmo que, tirando o comício das Diretas e o show do Paul, participei das outras ocasiões por mero acaso, sem saber bem por que estava ali. Fui porque fui, sem a mais remota consciência de estar vivendo um momento marcante. Mas falo do assunto por uma razão: o fascínio que tenho pelas multidões.
Estar no seio de uma massa compacta faz desaparecer o indivíduo, sua personalidade se esbate, e ele passa a ser, queira ou não, parte de um todo. A multidão respira e ruge, tem vida própria. Pode ser perigosa. Há beleza nessa força pulsante, incontrolável, nesse monstro do Bem e do Mal que são os grandes aglomerados de pessoas. Ali, tudo pode acontecer. É isso que me atrai.
Essa dissolução do ser individual – mais do que o aperto ou a dificuldade de respirar – provoca fobias, torna as multidões apavorantes para algumas pessoas. Eu mesma já vivi pelo menos dois momentos de angústia dentro de multidões: uma delas, num jogo de futebol, mas não no Brasil-Paraguai e sim num Fla-Flu, naquele mesmo ano de 1969, em que, à entrada do Maracanã, a massa movente quase me arrancou da mão de meu pai. Tive muito medo. Também fiquei à beira do pânico em um desfile do Bola Preta, há alguns anos, quando a multidão me empurrou a ponto de meus pés já quase não tocarem o chão, situação da qual só consegui escapar me jogando escada abaixo para dentro de uma estação do metrô. Mas nem esses momentos difíceis foram capazes de diminuir meu fascínio pelos aglomerados humanos.
No meio da multidão, tenho prazer em me sentir dissolvida, anulada, à mercê da massa. A um passo do perigo e sem poder fazer nada. Há um momento inverso em que experimento sensação semelhante: é quando estou sozinha, andando pelas ruas de uma cidade desconhecida. Quando isso acontece, sou igualmente invadida por uma euforia estranha. É também desafio, misto de temor e prazer. Talvez seja esse, então, o ponto de contato: porque estar perdido no meio da multidão compacta é pura solidão.