Dezoito de outubro.

A mulher ficou olhando para o calendário de parede, na área de serviço. Era uma dessas folhinhas antigas, com estampa de santa, sobre a qual estava colado um bloco de folhas finas, que deviam ser arrancadas a cada dia. Toda manhã, quando ia à área de serviço fazer alguma coisa, a mulher, que morava sozinha, olhava para o calendário e arrancava uma folha, para que a nova data se revelasse. Fazia isso de forma automática, sem prestar muita atenção ao gesto.

Mas naquela manhã ficou parada olhando para a nova folha, surgida assim que ela arrancara a página. 18 de outubro. 18 de outubro de 2015.

Estava fazendo trinta anos.

Guardou no armário da área a lata com a comida dos gatinhos e voltou para a sala. Trinta anos. Desde cedo, ao acordar, a mulher se sentira diferente, como se alguma coisa a rondasse, uma sensação de perigo na boca do estômago. Como um pressentimento. E agora essa coincidência, a data. Talvez fosse por isso, só podia ser.

Sentou-se no sofá e ficou olhando as próprias mãos, pousadas sobre as coxas. Trinta anos. Lembrava-se bem daquela noite. Fazia um calor de verão, já. Um verão antes do tempo, como agora. Ela estava feliz. Sentia-se livre, como há muito não acontecia. Por isso mesmo, não estava preparada para o que ia acontecer.

Foi assim, em um segundo. Como um espasmo. Uma sensação de que ia desmaiar. Mais do que isso, a impressão de que estava indo embora. De que sua essência ia sendo sugada para alguma região misteriosa. Tinha sido uma coisa avassaladora. Um pânico instantâneo, algo que nunca sentira antes. E o que a deixara mais perplexa era justamente isso: a certeza de estar diante de algo novo, inusitado. Sabia que estava frente a frente com o desconhecido.

A mulher cruzou os braços, como se estivesse com frio. Levantou-se do sofá e fechou a janela. Tinha sido um momento difícil de sua vida, as crises se sucederam. Levara muito tempo para compreender o que se passava. Estresse, síndrome do pânico, encosto, mau olhado. Todos davam palpites, cada um dizia uma coisa. Mas nenhuma explicação a satisfazia. E foi só com o passar dos anos que ela compreendeu o processo começado naquele dia de outubro.

A sensação era o prenúncio do que viria – um vulcão cuspindo lava. Eram as histórias, todas elas, que a habitavam há muitos anos, pedindo para sair, precisando da explosão para se libertar. Pouco tempo depois, a erupção se deu. E foi assim que a mulher começou a escrever.

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