Eu gosto de pedras. Fui criada em torno delas. Havia a gruta atrás do nosso sítio, em Jacarepaguá, no meio da mata, que formava um esconderijo perfeito para nós, crianças. Lá em cima, no bojo úmido e sombreado da caverna, longe da casa e dos olhos dos adultos, podíamos sonhar todas as aventuras. E havia, também, a pedra da cidade, a pedreira atrás do meu prédio, no Leblon, onde brincávamos de soltar pipa junto com os meninos da Cruzada e da Praia do Pinto. Meu irmão soltava pipa, eu não, eu não conseguia, não tinha aquela destreza. Eu só ajudava. Enquanto meu irmão tomava distância, eu ficava segurando, para só soltar na hora em que ele mandasse. Mas era então, quando a pipa subia, que vinha a melhor parte. Eu me deitava na pedra quente e ficava olhando as pipas no céu. Aquela sensação da pedra nas costas, sua força, seu calor, e o contraste entre sua materialidade me prendendo ao mundo e as pipas voejando no céu, essa sensação ficou marcada em mim.
A gruta de Jacarepaguá desapareceu. O sítio foi vendido, loteado, e em seu lugar fizeram um condomínio de casas. Da pedreira do Leblon também restou pouca coisa: assisti, da minha janela, enquanto, por anos a fio, ela era retalhada, desbastada e consumida, para que ali se plantasse um shopping. Ninguém mais solta pipa na Pedra do Baiano, que é como ela se chamava. Talvez seja por isso, por essas pedras perdidas, que tanto me doeu ver caindo ao chão as pedras de Palmira, na Síria.
E as pedras de Palmira são muito mais do que pedras. São história e cultura. O templo de Baalshamin, e agora o Arco do Triunfo, tantas belezas, tudo destruído pela estupidez humana. Santuários, arcos, colunas, muros, aquilo que havia resistido ao desgaste de séculos – a cidade síria foi fundada há cinco mil anos e seus principais templos tinham pelo menos dois mil – se desfazendo em pó em um segundo. Meu coração se contraiu ao ver as imagens das explosões.
Mas aí pensei no arqueólogo velhinho, que tomava conta das ruínas de Palmira. Ele foi decapitado pelos agentes do Estado Islâmico, quando estes chegaram para dinamitar os templos. Chamava-se Khaled al-Asaad e tinha 81 anos. Uma vida vale mais do que qualquer pedra de dois mil anos. Mas talvez ele não achasse isso. E deu a sua tentando salvar as pedras que amava.