Era um menino que gostava de ler. Desde muito pequeno, quando ainda não tinha sido alfabetizado, já se interessava por livros e revistas, principalmente as revistas de quadrinhos. Adorava história em quadrinhos. Era capaz de ficar horas e horas deitado no chão do quarto, com as revistas espalhadas em volta, lendo, lendo, lendo. Os pais achavam aquilo sensacional – um menino que, ao contrário de muitos de sua geração, ainda gostava de papel. Porque, além de ler livros e revistas, o menino gostava de colecioná-los. Já tinha uma estante cheia de livros no quarto e suas revistas em quadrinhos ficavam empilhadas dentro de um baú de madeira, separadas por autores,  coisa impressionante para a idade dele.

Naquela tarde, o menino estava esparramado no chão, folheando um livro com tirinhas de Calvin e Haroldo. Eram personagens que o menino adorava, tinha até a impressão de que ele e Calvin eram parecidos. Foi quando viu a tirinha em que Calvin olhava para seu tigre Haroldo, e pensava: “Quando nós dois morrermos, como vai ser? Porque eu vou para o céu dos humanos, mas Haroldo vai para o céu dos tigres. Como é que a gente vai se encontrar?”.

O menino leu aquilo e ergueu os olhos. Seu gato preto-e-branco, Fu Manchu, estava deitado no chão à sua frente, olhando bem para ele. Fu Manchu era um gato muito legal. Tinha nome de vilão (o pai do menino é que tinha escolhido), mas “uma alma de passarinho” (palavras da mãe). A mãe vivia dizendo que, ao contrário do que muita gente pensa, os bichos têm alma, sim.  Portanto, ainda mais sendo tão bonzinho, quando morresse Fu Manchu iria para o céu. Mas o céu dos gatos, não dos humanos. Então, quando isso acontecesse, e quando ele, menino, morresse também – como é que eles fariam para se encontrar?

Embatucou. Nunca tinha pensado na coisa sob aquele ângulo. Tornou a olhar bem para Fu Manchu, que agora estava se lambendo, com um daqueles contorcionismos que só os gatos sabem fazer. Mas aí o menino deu um muxoxo:

Ah, que besteira ficar pensando nisso agora. Ninguém aqui está pretendendo morrer. Ainda falta muito, muito  tempo para isso acontecer, concluiu. E, quando acontecer, eu dou um jeito. Afinal, minha tarefa é muito mais fácil que a do Calvin. Perto do céu dos tigres, deve ser moleza entrar no céu dos gatos.

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