Finalmente parece que o outono chegou, pensou a mulher enquanto olhava para a vitrine. Ainda fazia calor, é verdade. Um calor úmido, pegajoso. Mas já não sufocava como antes, como durante todos aqueles meses de secura e brasa, em que as pessoas já clamavam aos céus por uma enxurrada, por piores que fossem as conseqüências. Sim, o outono estava ali, acima de tudo naquela loja, cuja vitrine apreciava agora, com seus blazers elegantes, suas botas, seus tons de ferrugem e o chão coalhado de folhas secas de mentira. Estava bonito. Era uma loja de rua. A mulher só gostava de lojas de rua, nunca de shoppings, porque sentia como se só na rua vivesse a vida real. Para ela, estar dentro de um shopping era como estar num universo paralelo, virtual – onde todas as cidades de todos os países do mundo são iguais. E mesmo aqueles a céu aberto, que pretendiam parecer quarteirões de verdade, lhe pareciam semelhantes a cenários de televisão.

Pensou em comprar uma das malhas que estavam na vitrine, aquela blusa marinho, de gola rolê, muito parecida com uma que tivera nos anos 70. Mas acabou desistindo. Tinha uma preguiça horrível de comprar roupa. Melhor seria sentar-se em frente à praça, logo ali ao lado, para tomar um café. Foi.

Sentou-se numa das mesinhas de ferro do lado de fora e pediu café com creme, uma extravagância que raramente se permitia. A garçonete trouxe e ela bebeu bem devagar, olhando para as folhas filigranadas das árvores da praça. Alguns galhos já estavam ralos e havia folhas amareladas espalhadas pelo chão. Poucas, é verdade. Mas isso não tinha importância. Com a tarde quase terminando, as árvores estavam banhadas por um sol fraco, enviezado, que mais parecia um sol europeu. Finalmente, parece que o outono chegou, convenceu-se.

Depois do café, a mulher decidiu ir caminhando para casa, para aproveitar a brisa da noite que começava a cair. Ao fim da caminhada, quando atravessou o canal – com passos rápidos, pois ali era perigoso à noite – sentiu o vento do mar chegando e chegou a ter um arrepio de frio. Achou ótimo. Ah, era o outono, sem dúvida.

Chegou em casa e ainda espiou da janela, para ver os últimos sinais de luz no céu, acima dos telhados, a luminosidade agonizante do crepúsculo, com seus matizes lilases. Mas depois virou-se e deu com a própria imagem no espelho sobre a cômoda, ao lado do abajur, que acendera ao entrar. E aproximou-se.

Olhou a própria imagem, detidamente, debruçando-se sobre o móvel embaixo do espelho para se ver melhor. E tocou com a ponta dos dedos os cantos dos olhos, onde, mesmo à meia-luz, as rugas já eram visíveis. E pensou, com um suspiro: finalmente parece que o outono chegou.

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