O interesse do ser humano pelo terror é tão antigo quanto a própria humanidade. Desde tempos imemoriais, o homem parece disposto a encarar o desconhecido, o bizarro, o terrível – a olhar o monstro nos olhos, segurando-lhe os chifres. Talvez seja uma tentativa de quebrar-lhe o encanto, vencer o medo e assim passar a ser o dono do poder.
Esse fascínio pelo desconhecido, somado à curiosidade mórbida, com pitadas de sado-masoquismo, parece compor uma mistura que existe dentro de nós e que entra em ebulição diante de uma cena aterradora, deixando-nos hipnotizados. Se a cena é real, a sensação não dura mais que um segundo, sendo substituída imediatamente por pavor, raiva ou indignação (ou tudo isso junto), dependendo das circunstâncias. Mas, e se for ficção?Se a cena é de mentira, podemos saborear o arrepio e deixar ferver à vontade esse líquido secreto e maldito que corre em nossas veias.
Talvez por isso o terror tenha sido sempre tão explorado pelas artes em geral. E, nos últimos 200 anos, pela literatura.
Se tentarmos precisar a época em que nasceu a literatura de terror como a conhecemos hoje, muitos concordarão que isso aconteceu em algum momento do século XVIII, quando nascia também o romance. O autor inglês Horace Walpole, que em 1764 escreveu a novela “The castle of Otranto”(O castelo de Otranto), é geralmente considerado o ponto de partida desse gênero que, desde então, não parou de atrair leitores do mundo inteiro, com seus túmulos envoltos em bruma e seus castelos escuros, repletos de escadarias sombrias por onde deslizam espectros.
Ambientada, como sugere o título, justamente em um castelo, a história de Walpole é a primeira novela “gótica” da literatura (no prefácio da segunda edição, o próprio Walpole iria acrescentar-lhe o subtítulo “Uma história gótica”). “O castelo de Otranto” foi publicado pela primeira vez como se fosse um texto em italiano, de autoria de um certo Onuphrio Muralto, traduzido para o inglês. Só mais tarde Walpole admitiria sua autoria, alegando ter-se inspirado em um sonho. Essa atmosfera onírica é um dos principais atrativos do texto, embora também seja apontada por alguns críticos como seu ponto fraco. Mas, criticada ou não, a novela de Walpole foi publicada em mais de cem línguas e hoje é tida como um texto-marco na literatura assombrada.
Além de Walpole, muitos outros também podem ser considerados precursores do gênero – como William Beckford, autor de “Vathek”, de 1786 ou Matthew Gregory Lewis, que escreveu “The monk” (O monge) em 1796. Para surpresa de alguns, essa lista inclui também várias mulheres.
Entre meados do século XVIII e princípios do século XIX, quando a porção feminina da humanidade levava uma vida fundamentalmente doméstica, essas mulheres sentaram-se em suas escrivaninhas e produziram textos primorosos, que ajudaram a promover a revolução do mistério na literatura. Eram quase todas inglesas. Como Clara Reeves, que publicou “The old English Baron” (O velho barão inglês) em 1778 ou como Ann Radcliffe, com seu “The mysteries of Udolpho” (Os mistérios de Udolpho), de 1794.
Mas nenhuma alcançou o sucesso obtido pela também britânica Mary Shelley que, em 1818, publicou uma das mais famosas novelas de horror de todos os tempos: “Frankenstein”. Na verdade, “Frankenstein” fora escrita dois anos antes, quando Mary Shelley tinha apenas 19 anos. Casada com o poeta Shelley (Percy Bysshe), Mary Shelley convivia com os amigos do marido, entre eles o poeta Byron, seu vizinho nos arredores do lago de Genebra, onde moravam.
Entre seu passatempo predileto, estavam as reuniões em volta da lareira, nas noites frias, para contar histórias sobrenaturais. Certa vez, presos em casa por uma tempestade, Shelley, Mary, Byron e um tal Dr. William Polidori (médico de Byron) fizeram uma aposta literária: cada um deveria escrever uma história de horror e, no fim, elegeriam a melhor. Só Mary levou o desafio a sério, criando um monstro feito de pedaços de cadáveres que se tornaria um clássico.
Curioso é que a maldição narrada por Mary Shelley em sua extraordinária novela – a da criatura que se volta contra seu criador – de certa forma atingiu a própria escritora: ela é um caso típico de autor que foi obscurecido pela força de sua própria obra. Todo mundo já ouviu falar de Frankenstein (embora esse na verdade não seja o nome do monstro, e sim do médico que o criou). Mas não são muitos os que têm na ponta da língua o nome de Mary Shelley.
No século XIX, os monstros proliferaram. E toda espécie de fantasmas, fossem vivos ou mortos, encheram as páginas dos livros e a imaginação dos leitores. Só que geralmente condensados em histórias menores – já que foi nessa época que o conto se firmou. E os contos de terror, que figurariam entre os gêneros mais populares da história da literatura, teriam no americano Edgar Allan Poe sua expressão maior. Foi por volta de 1830 que Poe começou a escrever suas histórias, publicando a primeira coletânea em 1839, “Tales of the grotesque and arabesque” (Contos do grotesco e do arabesco), já com sua marca: os contos de Poe são sempre densos, sufocantes, com personagens envoltos pelo sofrimento e a loucura, capazes de deixar os leitores sem ar – e às vezes sem dormir.
Entre os mais notáveis e terríveis estão “The fall of the house of Usher”(A queda da casa de Usher), “The pit and the pedulum”(O poço e o pêndulo), “The murders in the Rue Morgue” (Os assassinatos da Rua Morgue) e “Berenice”. “Berenice”, aliás, toca num tema que povoaria muitas das histórias de terror escritas a partir do século XIX: o vampirismo.
Nos últimos 150 anos, vampiros de todos os tipos têm feito aparições cada vez mais freqüentes nas páginas dos livros (e, a partir de 1930, nas telas do cinema). Algumas das histórias mais antigas são “La morte amoureuse” (A morta amorosa) de Théophile Gautier, de 1836, considerada a mais importante história de vampirismo da literatura francesa, e “Carmilla”, de 1872, escrita pelo irlandês Sheridan Le Fanu. Mas o mais famoso autor desse subgênero do terror é sem dúvida Bram Stoker, que fez “Drácula”(1897). Alguns desprezam o vampirismo na literatura por acreditar que o tema fez proliferar muito material de má qualidade.
Mas o fato é que, às vésperas do terceiro milênio, os vampiros continuam atraindo cada vez mais o interesse dos leitores, principalmente dos jovens. E isso prova que – exatamente como sempre se disse – eles são mesmo imortais.
Temos falado aqui de histórias de terror e horror. Há na verdade uma diferença entre elas, embora sutil. Na introdução de “Horror stories” (Histórias de horror) da editora Penguin, o organizador do livro, J. A. Cuddon, admite que é muito difícil definir uma história de horror, já que o gênero se subdividiu em vários, interligando-se com histórias de mistério ou de ficção científica. Mas a definição dele é a seguinte: “Uma peça de ficção, de tamanho variado (podendo ir de duas mil a cem mil palavras), que choque ou amedronte o leitor, talvez causando-lhe sensações de repulsa ou nojo”.
A história de terror seria tudo isso, só que com algo mais: o desconhecido. Sentir horror seria a resposta a uma realidade física horripilante, como uma cena de assassinato ou tortura. Já o terror, forma mais poderosa de medo, seria o defrontar-se com o sobrenatural. E a definição, segundo Cuddon, teria sido dada por uma autoridade no assunto, alguém que entende muito da tarefa de assustar os outros: Boris Karloff.
Góticas, sobrenaturais, de terror ou de horror, o fato é que as histórias desse gênero continuam fascinando justamente pela capacidade de assombrar, de inquietar – por esse algo indefinível que está em todas elas e que poderíamos talvez chamar de a mácula do mal. É por isso que suas páginas nos encaram e hipnotizam, como uma cobra preparando-se para o bote.
(Site da Enciclopédia Britânica)