Ela era uma gata silenciosa. Tinha um miado baixinho, curto — quase a dublagem de um miado. Quando me olhava nos olhos, soltava aquele seu ruído, que às vezes me parecia uma reclamação. No mais, quase não falava. Sua maneira de se comunicar era corporal, esfregando-se nos móveis, esparramando-se de barriga para cima ao sol, subindo no sofá e deitando-se ao meu lado para pedir carinho. E pedia assim: em silêncio.
Depois de subir no sofá, me olhava com um olhar significativo e se acomodava ao meu lado, de costas para mim, expondo o dorso como a me dizer que era ali que queria receber o afago. Se por acaso eu estava distraída e não a acariciava, ela virava a cabecinha e me olhava, como quem diz: “E aí?” Mas tudo sem emitir qualquer som.
Na semana passada, ela caiu doente. E agiu como os gatos agem quando estão sentindo alguma coisa: ficam quietos. Gatos não gemem, não soltam ganidos. Gatos sofrem em silêncio. Acho que essa reação decorre de sua natureza altiva, de uma coragem selvagem que lhes corre nas veias. E da característica que está em todos eles, que os acompanha pela vida inteira: a dignidade.
À noite, não ouvimos nada. Nenhum movimento anormal. E de manhã, ao acordar, fomos encontrá-la na poltrona onde às vezes gostava de dormir — morta.
Não era jovem, tinha 16 anos já, o que é muita idade para um gato. Mas estivera até pouco tempo antes muito bem, gorda e saudável. Aquela morte nos pegou de surpresa. Ou talvez seja mesmo assim, a morte nos transmitindo sempre uma sensação de perplexidade.
Na noite seguinte, antes de irmos deitar, sentamos no sofá da sala, na penumbra, para conversar, um ritual que cumprimos sempre, e no qual éramos acompanhados pela gatinha. Fiquei olhando de soslaio para o espaço vazio no sofá ao meu lado. Era madrugada, já. A rua estava silenciosa. Nós também. Talvez por isso, por nosso silêncio, comecei a prestar atenção no tique-taque do relógio, um relógio antigo, de mesa, que temos há muitos anos. Era um tique-taque tão alto que me chamou a atenção. Nunca tinha notado que o mecanismo daquele relógio batia com tanta força.
Quando acordei, de manhã, voltei a me sentar na sala, sozinha. Do lado de fora das janelas, duas borboletas brancas voejavam por entre as folhas das amendoeiras. Ao longe, o mar. Mas não havia o burburinho dos banhistas a caminho da areia, as vozes dos porteiros, dos vendedores, nada. A manhã de sábado estava estranhamente quieta. E foi quando prestei atenção outra vez no tique-taque do relógio. Lá estava ele, batendo alto como nunca. Então entendi: era o silêncio em torno que fazia seu mecanismo reverberar, sobressair. O silêncio de um vazio.
Para minha gatinha, Yellow (1999-2015)