A mãe foi quem descobriu a arte do menino. Era um final de manhã e ela acabara de entrar em casa, chegando do armarinho. A família morava em uma casa baixa, de vila, com um espaço comum onde a garotada jogava bola. A mãe estranhou que o menino não estivesse lá fora jogando, mas, ao passar pela porta do quarto dele, entendeu tudo. O menino estava fazendo aquilo de que mais gostava na vida: escrevendo. Mas – e aí é que entrava a arte – não escrevendo em papel, usando bloco ou caderno. Ou mesmo o quadro-negro que recebera de presente. O menino estava escrevendo na parede.

A mãe ficou olhando, quieta. Ela era uma mulher assim, de mansidão incomum, ao contrário do pai, homem sanguíneo, dominador. A mãe, de forma instintiva, respeitou o momento. Não falou nada, deixou. Achou, talvez, que alguma coisa importante estava começando ali, naquele instante, naquele gesto.

O menino nem deu pela presença dela. Continuou escrevendo. Em cima da cama, havia muitos lápis espalhados, de várias cores. Ele se afastava da parede, pegava um lápis, escrevia uma frase, depois se afastava um pouco para apreciar o que tinha feito. Como um pintor.

Escrevia nomes, listas, frases soltas, mas também trechos inteiros, comentários. A mãe não entendia bem de onde vinha tudo aquilo. Havia, entre as palavras escritas, muitos termos técnicos, coisas relativas a música ou a cinema, e muitos nomes, na maioria estrangeiros. Por que o menino escrevia tudo aquilo na parede? Que impulso era aquele de tentar ancorar as palavras, materializá-las em algum ponto, ter sobre elas uma espécie de domínio? Talvez nem ele próprio soubesse.

Mais tarde, quando o pai chegou em casa, vindo do trabalho, e viu aquilo, quis brigar. A mãe não deixou, pediu que ele entendesse. Era a vontade do menino. E, por algum motivo, até mesmo o pai se calou. Consentiu. Havia um mistério, uma força inexplicável naquelas palavras escritas na parede. Os pais acabaram achando graça. E respeitaram.

Com o tempo, todas as paredes, de todos os cômodos, da casa inteira, estavam escritas. A casa onde o menino e suas palavras reinavam transformou-se em uma casa-obra, uma casa-livro. E foi apenas o começo.  Porque as palavras seriam para ele, sempre, pela vida afora, âncora e prumo. Em pouco tempo, elas começariam a se descolar das paredes e a se espalhar pelo papel, pelos cadernos e blocos, por jornais e revistas – até afinal chegar aos livros. Para então ganhar o mundo.

 

 

 

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