Os livros falam. A frase me paralisou. Fiquei olhando para ela, o jornal aberto entre as mãos. Quem disse isso foi Ana Beny, que trabalha restaurando livros e manuscritos na Espanha e no Egito, em entrevista à repórter Cristina Tardáguila. Ela explicava que, pelo formato das páginas, por suas manchas e dobras, pelos pontos mais gastos do papel – dá para adivinhar tudo: a postura, os hábitos, até os vícios de quem lê. Observando livros e manuscritos que já restaurou, ela sabe, por exemplo, que os monges europeus da Idade Média liam de pé, durante as refeições. Ou que os islâmicos liam em posição de lótus, com os livros apoiados em prateleiras em forma de x.
Essa memória gravada no papel tem uma beleza singular e já é, por si só, razão para que o objeto livro continue existindo para sempre. Digo isso em uma semana diferente, a semana em que, depois de resistir por mais de cinco anos, acabo de entrar para o Facebook. Eu, que sempre fui uma pessoa tímida na vida real, tendo poucos (mas muito queridos) amigos, me vejo de repente em meio a essa avalanche de contatos, revendo rostos que parecem saltar do passado, encontrando centenas de pessoas com quem nunca conversei. Assombrada e fascinada por tudo isso, abro de repente o jornal e leio a frase de Ana: os livros falam.
Ana dá conselhos: não mantenha os livros em um lugar onde você não gostaria de ficar, um porão frio demais, ou quente demais, ou úmido demais. Essa comparação do livro com uma pessoa, esse cuidado com seu bem-estar, me faz pensar em um conto mínimo que escrevi há muito tempo, no qual descrevia a maneira como Alma Mahler cuidava de seus livros mais queridos – embalando-os em um berço. Os livros físicos ainda são um objeto de amor.
Espero que eles não desapareçam. Como, aos poucos, vão desaparecendo sebos e livrarias. Como já desapareceram os rascunhos, os rastros deixados pelos escritores em sua luta pela palavra certa. Os manuscritos não existem mais. Tudo o que escrevemos vai sendo apagado e tragado para esse imenso limbo onde dormem as palavras mortas.
Por isso, a frase de Ana me tocou tanto. Atenção: os livros falam.
Recebo-a quase como uma sentença, um alerta, uma admoestação. Cuidado. O mundo virtual é uma espiral sem fim, linda e terrível como toda arma capaz de transformar a humanidade. Mas não esqueça dos livros, feitos de polpa e tinta, de páginas palpáveis, cheiros, sons. Não esqueça. Nunca.