Havia, muito antigamente, em algum ponto perdido de Portugal, um convento de freiras carmelitas conhecido por Convento Velho. Era uma construção imensa, que um dia já abrigara irmãs vindas das famílias mais nobres, sendo um privilégio viver entre suas paredes. Com o passar dos anos, a instituição foi decaindo, até chegar a um ponto em que as freiras passaram a ocupar apenas uma ala da construção, que de resto ficou abandonada. Mas, ainda que poucas, as irmãs continuaram uma tradição começada muitos séculos antes: ali, em meio àquelas montanhas azuis, cultivavam e teciam o mais puro e afamado linho de Portugal.

Era do Convento Velho que saíam os mais belos lençóis nupciais, usados por toda a realeza portuguesa, por nobres, príncipes e princesas. Por causa disso, por fazerem lençóis tão exclusivos, às freiras do Convento Velho era concedido um privilégio também muito especial: consumado o casamento, a família enviava de volta para o convento a parte central do lençol, contendo a mancha que atestava a virgindade da noiva. Esses quadrados de linho maculado eram colocados em quadros e pendurados nas paredes, tendo acima o nome da princesa à qual o lençol pertencera.

Formou-se assim, com esses quadros enfileirados, uma galeria, que passou a ser visitada pela nobreza portuguesa. Príncipes e princesas, e até reis e rainhas, vinham de toda parte para, com um silêncio reverente, quase sacro, percorrer aqueles corredores, tentando imaginar que histórias estariam contadas nas manchas, que augúrios e adivinhações teriam provocado. Mas, de todos os quadrados de linho havia um, no centro da galeria, que era de um branco imaculado, sem qualquer nódoa, e cuja placa, no alto, não trazia nome de princesa alguma. Era diante desse que todos paravam por mais tempo, em meio a um silêncio opressivo. Pois nenhum outro quadro contava uma história tão tremenda.

Reproduzo aqui, com palavras minhas, esse conto da escritora dinamarquesa Karen Blixen (ou Isak Dinesen, como se assinava), cujo título é “Página em branco”. Li-o ontem à noite, véspera de escrever estas linhas, que são de despedida. E ele me fez pensar em quanta coisa está contida numa página não escrita, numa não página, de um não livro. Afinal, o branco é a soma de todas as cores. As possibilidades são infinitas.

 

Ainda envolta pela atmosfera de Portugal, republico aqui este texto de 2006. Foi o último conto mínimo que publiquei na saudosa revista de Domingo, do JB.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Relacionados