Camilla Amado foi indicada para o Prêmio Shell de Melhor Atriz por seu papel na peça “O lugar escuro”, encenada no início do ano no Espaço Sesc, em Copacabana. Eu, que como autora da peça tive a oportunidade de acompanhar todo o processo de desenvolvimento dos personagens durante os ensaios, sempre me impressionei com a profundidade e a erudição dessa grande atriz que é Camilla. A indicação não foi surpresa para nós, da equipe de “O lugar escuro”. A peça contou com um elenco fantástico, muito bem entrosado, e as outras duas atrizes, Clarice Niskier e Laila Zaid, também tiveram grandes interpretações (para não falar na sensibilidade do diretor André Paes Leme). Mas Camilla se destacou, não só por suas falas e expressões, mas pelos momentos de silêncio, os momentos em que estava a um canto do palco, quase na penumbra, e que eram de uma força raramente vista.

“O lugar escuro” teve uma temporada curta, mas a produção da peça, a Tema Eventos, está se esforçando para conseguirmos reestrear ainda este ano, o que espero aconteça em breve. Aqui abaixo, reproduzo o texto que escrevi para o programa da peça, e que resume bem o que me levou a transpor meu livro para os palcos:

Por trás do lugar escuro, fiapos de luz
“Queria te agradecer, Heloisa. Eu também sentia raiva, mas não conseguia confessar.”

Ouvi essa frase de uma mulher desconhecida, ao final de uma palestra dada por mim, poucos dias depois do lançamento do meu livro “O lugar escuro”, em 2007. Desde então, não parei mais de ouvir frases semelhantes, de pessoas que se emocionaram com o livro e se identificaram com seu tema: a experiência de conviver com alguém que tivesse a doença de Alzheimer. A raiva mencionada era a revolta diante da doença, que às vezes se dirige contra o próprio doente.

Outra coisa que me chamou atenção foi que as pessoas pareciam se identificar com o livro mesmo que não tivessem alguém com Alzheimer na família. “Eu tinha ciúmes do meu irmão, mas nunca admiti”, me disse outro leitor. Foi quando percebi que “O lugar escuro” não era exatamente sobre a senilidade. Era também sobre relações familiares, ciúmes entre irmãos, rancores secretos, medo de enlouquecer, medo de morrer, essas coisas que fazem parte da nossa vida. Por isso, as pessoas se viam no livro.

Foi essa identificação que me motivou a transportar “O lugar escuro” para o teatro. Espero que as palavras, quando materializadas no palco e transformadas em carne e osso, possam tocar ainda mais fundo nessas questões tão delicadas, que são as relações familiares. Esses lugares escuros que, felizmente, de uma forma ou de outra, sempre escondem algum fiapo de luz.

 

* A foto que ilustra este post, mostrando Camilla Amado e Clarice Niskier em um dos momentos mais emocionantes da peça, é de Leonardo Aversa.

 

 

 

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