Recebi o telefonema de um amigo da TV Bandeirantes, muito abalado com a morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um morteiro disparado pelos black-blocs na manifestação do dia 6 de fevereiro. Claro que todos nós – a sociedade civil e especialmente nós, jornalistas – estamos chocados com a história. Mas uma frase de meu amigo me chamou a atenção:

“Fico me perguntando se não devíamos ter sido mais duros desde o início, se não devíamos ter denunciado com mais vigor esses vândalos”, disse ele.

Aí está: talvez haja, nessa morte, mais do que a sensação de perplexidade e revolta que sentimos quando ficamos sabendo, por exemplo, da morte de alguém vítima de bala perdida. Os comentários que tenho ouvido me passam a impressão de que, de alguma maneira, nos sentimos culpados.

Desde que começaram os movimentos de junho do ano passado, temos assistido à crescente violência nas manifestações. Essa escalada de violência tem sido atribuída quase sempre à maneira truculenta de agir por parte dos policiais. Mas, por maior que seja o despreparo do aparato policial, há vândalos agindo livremente nas ruas durante esses atos, saindo com o objetivo puro e simples de destruir, sem qualquer reivindicação a movê-los. Não vejo muita diferença entre esses manifestantes violentos e os integrantes de torcidas organizadas que vão aos estádios, nitidamente, não para assistir aos jogos, mas para brigar pelo prazer da briga.

Jovens advogados, políticos progressistas, instituições que sempre defenderam os direitos humanos, todos têm saído em defesa dos manifestantes, na presunção de que, entre perseguidos e policiais, os primeiros têm sempre razão. Mas os black-blocs, ou seja lá que nome tenham, vinham dando sinais nos quais devíamos ter prestado mais atenção: havia tintas neonazistas no comportamento deles, inclusive na hostilidade à imprensa. Há poucos dias, em uma tentativa de “rolezinho” no Leblon, um repórter de televisão foi xingado e por pouco não chegou a ser agredido pelos manifestantes. Isso tem acontecido o tempo todo, desde as manifestações de junho. Por que nós, jornalistas, não denunciamos isso com mais energia?

Talvez porque parecesse retrógrado, uma coisa velha, de direita (como se dizia antigamente), ser contra os manifestantes. Poucos de nós, na imprensa, tivemos coragem de escrever contra eles com a força necessária. Afinal, como defender policiais e governos suspeitos, logo nós, que já trabalhamos sob censura e combatemos a ditadura? Melhor ficarmos quietos, em nome da democracia. Em nome do direito à livre manifestação – mesmo com bombas e pedras.

E agora estamos assim, como o meu amigo da Bandeirantes. Com esse nó na garganta, essa pergunta presa no peito: será que nosso silêncio constrangido nos faz cúmplices na morte de Santiago?

 

Artigo de Heloisa Seixas publicado no jornal ‘O Globo’ em 12/02/2014

 

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