Sou dessas pessoas que tomam nota dos títulos de todos os livros que leem, para no final do ano saber quantos foram. Desde que comecei a fazer tais anotações, tenho tido anos melhores e piores. Não lembro bem, mas meu recorde foi alguma coisa perto de 40 livros por ano. Gostaria de chegar a 50, o que daria mais ou menos um livro por semana, mas até hoje não consegui. Verdade que, dos livros que leio, muitos me tomam muito tempo. Podem ser livros difíceis, ou ter muitas páginas, e podem também ser livros que, por sua densidade e linguagem, pedem para ser degustados devagar. É o caso dos livros de Proust.

No início do ano passado, ao escrever minhas resoluções anuais (outra mania minha), botei na lista: ler Proust. E por “ler Proust”, queria dizer ler os sete volumes de “Em busca do tempo perdido”, e não apenas trechos, fragmentos (lindos, lindos), como sempre fiz. Pensei que conseguiria ler os sete volumes em 2014, mas não consegui: li muitos livros no ano passado, e entre eles estavam vários tomos do “Em busca do tempo perdido” – mas não todos. Alguns ficaram para este ano.

Há poucas semanas, terminei o último, “O tempo redescoberto”, seguramente um dos mais belos dos sete livros, pois trata muito do que é a literatura, do que é escrever. E vou dizer uma coisa: agora que acabou, estou com síndrome de abstinência de Proust. Quando me sento no sofá e olho para minha mesinha de centro, onde ficam os livros que estou lendo (leio vários ao mesmo tempo), me dá aquela saudade.

Entendi por que dizem que ler Proust faz bem à saúde. Nestes tempos tão difíceis, tão brutais, sua observação delicadíssima do mundo nos preenche de uma forma especial. Tive a prova cabal disso outro dia: estava na sala de espera da veterinária, meu gatinho ia fazer um exame. A salinha é apertada e fica em um sobrado de Ipanema, no segundo andar, aonde se chega por uma escada estreita. Eu estava sentada diante da porta, vendo o vão escuro da escada e a luz da rua, lá embaixo. Queria estar na rua, a caminho de casa, em qualquer lugar que não fosse aquela sala de espera, com meu gato na gaiola. Mas de repente minha atenção se prendeu a uma bicicleta, acorrentada a uma árvore, bem em frente à porta do sobrado. Fiquei olhando a roda traseira da bicicleta, seus aros, que formavam uma estrela, o pneu sobre uma poça d’água, feita de matéria escura e oleosa. E de repente percebi naquela cena, que se recortava à minha frente, uma beleza impensável. Como se, de tanto ler Proust, ele tivesse contaminado – no melhor dos sentidos – meu olhar. E me desse a chance de escapar dali, de escapar de mim mesma, e de receber, através dos meus sentidos exacerbados, a fabulosa plasticidade do mundo.

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