Meu novo livro, “Uns cheios, outros em vão Receitas que contam histórias“, vai ser lançado no próximo dia 28 de janeiro, segunda-feira, na Livraria Argumento, no Leblon. Esse livro, que sai pela editora Casa da Palavra, é uma espécie de reverso de “O lugar escuro”: são as receitas culinárias da minha mãe, Maria Angélica, misturadas a muitas histórias pitorescas da família, além de trechos de contos, crônicas e romances meus.

O livro sem dúvida terá a beleza gráfica que já é típica da Casa da Palavra e será também claro e alegre, porque  mostra o lado luminoso da personalidade de Maria Angélica, que era uma grande cozinheira.

Reproduzo aqui um trecho do livro, tirado do capítulo de abertura, “Patrimônio imaterial”:

 

“E então talvez seja isso, pensei, talvez esteja nessa memória a imortalidade possível. Deixar alguma coisa – uma obra importantíssima ou um livro de receitas, não importa –, um sinal qualquer na areia, um rastro. Talvez não precise nem ser um livro de receitas, basta que tenha restado a lembrança de um prato gostoso, de um almoço festivo preparado com capricho, ou de simples biscoitinhos amanteigados feitos em uma tarde de chuva. Essas lembranças são nosso patrimônio imaterial.

E foi assim que, tendo nas mãos fragmentos do passado em forma de receitas, comecei a perceber que elas me contavam histórias. Traziam recordações de várias épocas, como se estivessem sendo contadas a mim pelas mulheres da família, por Guiomar, Maria Eugênia, Maria Angélica, até mesmo por minha outra avó, Mariá, que, como eu, sempre detestou cozinhar. As páginas antigas, com suas imperfeições, manchas, rasgões, e mesmo as intactas ou feitas com mais capricho – todas elas – guardavam um significado maior. Somadas, tinham voz.

E, como aconteceu um dia com a madalena mergulhada no chá de tília, oferecido a Proust por sua tia – “quando mais nada subsistisse de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas” –, também de minhas páginas reencontradas saíram quartos, casas e quintais, cidades e sítios, cheiros, gostos e prazeres, assim como sustos, medos, talvez até mágoas. Brotaram das folhas de papel, como o aroma que se espraia de uma travessa fumegante, trazendo junto com elas o sabor de várias gerações.”

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *