Ao contrário do que todos apostavam, Aldir Blanc foi! Esse acontecimento inesperado foi o clímax da noite de lançamento do livro “Aldir Blanc – Resposta ao tempo”, de Luiz Fernando Vianna, na quarta-feira, dia 10, na Livraria Argumento. A presença de Aldir provocou um rebuliço e fez com que a noite de autógrafos se desdobrasse em duas: uma fila para pegar a dedicatória de Vianna, dentro da livraria, outra para pegar o autógrafo de Aldir, no Café Severino. O livro, da Casa da Palavra, traz um perfil de Aldir (com fotos ótimas, inclusive dele em criança, no Carnaval, fantasiado de toureiro e de chinês) e 450 letras de músicas.
Estava todo mundo lá no lançamento: João Bosco, Hermínio Bello de Carvalho, Jaguar, Otávio Augusto, Antonio Pedro, Miéle, José Wilker, Cecil Thiré, Reinaldo (Casseta), Vandinha Klabim, Ana Buarque de Hollanda, Baiano, Marechal, João Máximo… Impossível continuar fazendo a lista. E a família inteira do Aldir, claro, inclusive o pai dele, seu Alceu, ou Ceceu Rico, como ele é conhecido, impecável e elegantíssimo em seus 90 e muitos anos.
Aldir Blanc passeava pelas mesas do café e pela livraria, sendo abraçado e beijado por todos. Foi uma felicidade enorme ver nosso querido poeta assim tão bem — e na rua! O que é um feito para alguém que, nos últimos anos, só tinha saído de casa uma vez, e mesmo assim para ir ao aniversário da neta Cecília, num playground pertinho da casa dele, na Muda. A vez anterior, segundo me garantiu Mary, a mulher dele, foi quando Aldir foi assistir à estreia do musical “Era no tempo do rei”, no João Caetano, em março de 2010.
“Era no tempo do rei”, com músicas de Carlos Lyra e letras de Aldir, foi uma adaptação que eu e Julia Romeu, minha filha, fizemos do livro homônimo de Ruy Castro. Para nós, foi uma experiência inesquecível trabalhar junto com Aldir Blanc. Foram meses de trocas de emails e telefonemas, ele sempre delicadíssimo, um cavalheiro à antiga, e com aquela voz grave que, ao soar na secretária eletrônica (já contei isso e é verdade), sempre deixou minha gata Colette enlouquecida. As dezenove canções feitas para o musical, cujas letras estão no livro, são mais uma prova da vitalidade desse “ourives do palavreado”, como definiu Caymmi.
Cinco anos antes do musical “Era no tempo do rei”, em 2005, eu já tinha tido a chance de fazer alguma coisa junto com Aldir Blanc: por intermédio de Moacyr Luz, fui convidada para escrever o texto do encarte do disco “Vida noturna” (foto). Guardo meu exemplar precioso, com dedicatória de Aldir para mim. Reproduzo aqui o texto do encarte:
PURO ALDIR BLANC, SEM GELO
Você, que está com este disco nas mãos, preste atenção. Procure manuseá-lo com cuidado, pois está tocando, neste exato instante, em algo cada vez mais raro hoje em dia: um espaço de delicadeza. Com a ajuda de grandes músicos, grandes parceiros (como João Bosco, de quem estava separado há mais de vinte anos, ou Moacyr Luz, hoje seu parceiro mais constante), ou mesmo sozinho (fazendo letra e melodia), Aldir Blanc desfia sambas, canções, sambas-canções – e, com grande sutileza, faz crônica em forma de música. Canta a vida urbana e suburbana, os vagabundos dos bares, os sofredores das madrugadas – enfim, só gente boa –, botando no mesmo barco, como ele próprio diz, realidade e poesia. E uma poesia de sintonia fina, cheia de pedras-de-toque nonsense, de metáforas que são puro Aldir Blanc, sem gelo. (“Fiquei pendurada no adeus, como um velho avental”, “As bocas mudando as versões, feito as toalhas de um bar…”). Culminando no lindíssimo diálogo com o Tempo, em que ele zomba: “Respondo que ele aprisiona, eu liberto/que ele adormece as paixões, eu desperto/E o Tempo se rói com inveja de mim,/me vigia querendo aprender como eu morro de amor pra tentar reviver…” Tudo em Aldir é não-óbvio. Inclusive sua alma feminina (em “Dry”, ele dá voz a uma mulher) e seu romantismo. Aldir canta bem, tem na voz uma doçura surpreendente, sem ser piegas (mas, se fosse, e daí?), e seu lirismo traz um travo doce-amargo que às vezes parece afiado a navalha. O que nos leva a uma conclusão: nos becos mais sórdidos da vida noturna, por trás do amor mais tarado, do mais louco desvario, sempre se esconde um poço de ternura.