Poesia – ou amendoeiras – numa hora dessas? Falar em árvores a essa altura da vida, com o Brasil mergulhado em uma crise econômica, política e institucional que não se via há décadas, pode até parecer fútil. Mas as amendoeiras são anteriores à crise, são maiores do que ela e, se deixarmos, ainda estarão aqui muitos anos depois que a confusão terminar. Por isso, é delas que vou falar. Sou uma observadora minuciosa da cidade e entre as coisas que mais observo estão as árvores. Então, posso dizer sem medo de errar: as árvores das ruas do Rio nunca foram tão mal-tratadas.
Vou falar da Zona Sul, porque é onde vivo, mas imagino que a situação não deva ser diferente em outras regiões da cidade. As amendoeiras que se espalham pelas ruas de Ipanema e Leblon estão em estado lastimável. As obras do metrô pioraram tudo, mas a situação já estava ruim antes de começar a buraqueira.
A transformação começou há cerca de cinco anos, com a adoção de uma nova maneira de podar as árvores. Em vez do corte dos galhos mais altos, para deixar entrar a luz, fortalecer o miolo da árvore e fazê-la encorpar-se sem crescer demais, a poda passou a ser feita por baixo. O resultado são árvores de troncos muito altos, com a copa lá em cima, o que as torna instáveis. Não por acaso, em temporais recentes houve duas ou três ocasiões em que se registrou a queda de mais de cem árvores pela cidade.
Mas a poda mal-feita é apenas uma das questões. Agora, talvez com a desculpa de que, com as obras do metrô e a crise econômica, cuidar de árvores é algo secundário, estão deixando que parasitas de todos os tipos tomem as amendoeiras. Em algumas ruas do Leblon (a General Artigas é um exemplo), ou ainda na avenida Epitácio Pessoa, no trecho do Jardim de Alah, a maioria das amendoeiras está sufocada pela terrível erva-de-passarinho, capaz de matar uma árvore. E ninguém toma providências.
A implicância das autoridades com as amendoeiras vem de longe. Por causa de suas raízes inquietas, que racham as calçadas, a Prefeitura do Rio se recusa a replantá-las desde a década passada. Para cada amendoeira que tomba, surge em seu lugar uma árvore de outra espécie. Há também contra elas a queixa de que suas folhas, quando caem, entopem os bueiros. E, por último, a alegação de que não são nativas, mas árvores exóticas, e que não têm o direito de estar entre nós. Com essa política, no futuro não restará uma só amendoeira nas ruas do Rio.
Dizem que as sementes das amendoeiras vieram para cá misturadas à areia usada para fazer lastro nos navios e que floresceram no litoral por causa de sua grande resistência à água salgada. Ou que elas começaram a ser plantadas com a chegada da Corte, porque os nobres portugueses que aqui viviam tinham saudades do outono europeu. Mas sem dúvida foi por sua semelhança com os plátanos, espécie muito presente nas ruas da capital francesa, que amendoeiras foram plantadas em torno de toda a Praça Paris, quando esta foi construída, em 1929. O fato é que elas estão aqui há muito tempo, pois resta no Passeio Público pelo menos uma amendoeira de 150 anos.
Tenho uma conhecida que morou mais de quarenta anos em Nova York e que, ao chegar ao Rio, sua cidade natal, gostava de sentir o cheiro das amendoeiras. Quando ela me disse isso, achei estranho, pois não sabia que amendoeiras exalam cheiro. Mas depois prestei atenção e vi que têm, sim. “É o perfume do Rio”, dizia ela. Precisava alguém vir de fora para me dizer isso: que a amendoeira é coisa nossa. Com ou sem crise, as árvores estão aí, são parte da paisagem carioca. Sem elas, não formaremos um todo.
Texto publicado por mim no jornal O Globo em 12 de julho de 2015