A mulher começou a tirar os objetos, um por um, da gaveta aberta. Papéis, pastas, recortes. Muitos envelopes, de vários tamanhos. Canetas, lápis. E, principalmente, muitas caixas. Caixas pequenas, médias, de papelão, de madeira, de plástico duro. Algumas tinham tachinhas, elásticos, essas coisas pequenas. Mas outras não tinham nada. A mulher não sabia por que, ao longo de todos aqueles anos, tinha acumulado tantas caixas dentro da gaveta.

De repente, ela se lembrou de uma história. Alguém lhe contara, não sabia mais quem: uma filha do escritor Guimarães Rosa, quando era criança, tinha recebido do pai, de presente, uma caixinha cheia de acentos circunflexos. Quem mais, a não ser Guimarães Rosa, poderia ter a ideia de dar à filha pequena uma caixinha de acentos circunflexos? Acentos de vários tamanhos e tipologias, recortados com todo capricho de páginas de jornais e revistas. A caixa estava cheia até em cima.

A mulher continuou tirando os objetos da gaveta, um a um. A maioria ia para o lixo. Alguma coisa, que lhe parecia valer a pena guardar, ela colocava dentro de uma sacola grande, para levar consigo. E, enquanto continuava com sua tarefa, ia pensando. Assim como a filha de Guimarães Rosa, ela também queria ter uma caixinha, mas não de acentos circunflexos – e sim de porquês.

Por quê? Era uma pergunta que se fazia sempre, que fizera pela vida inteira, a respeito de tudo. Ao mesmo tempo, tinha orgulho de saber manejar os porquês. Por que o porquê às vezes é junto, às vezes é separado? Porque sim. A mulher gostava de brincar com seus porquês.

Mas agora não havia qualquer motivo para brincadeira. O mundo de repente parecia imensamente triste. No mesmo dia em que abriu o jornal de manhã e viu a fotografia do menino morto, a mulher soube que estava indo embora. Depois de tantos anos de trabalho. Por quê?

Era absurdo, era injusto. Era assustador.

Tornou a olhar a gaveta. Faltava pouco, tinha muita bobagem ali. Jogou os últimos envelopes fora, as canetas velhas. Puxou a gaveta e virou-a de cabeça para baixo, para que a poeira acumulada nos cantos caísse na lata de lixo. Depois reencaixou-a no lugar e ficou olhando para a gaveta aberta. E só então entendeu que aquela gaveta, que parecia vazia, na verdade estava cheia de porquês.

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