Nosso musical “Bilac vê estrelas” recebeu o Prêmio Shell de Melhor Música, pela sensacional trilha sonora original de Nei Lopes. O Prêmio Shell, um dos mais tradicionais do teatro brasileiro (criado há 28 anos), foi entregue em festa realizada no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico do Rio, na noite de terça-feira, dia 15 de março. Durante a cerimônia, além da entrega dos prêmios, foi realizada uma homenagem à diva do teatro brasileiro, Fernanda Montenegro.
O Prêmio Shell de Melhor Música para a trilha de “Bilac vê estrelas” é um reconhecimento ao talento de Nei Lopes, não apenas como sambista, mas como autor de grande porte, já que entre as 15 canções que fazem parte do musical não há um único samba (até porque em 1903, quando se passa a história, o samba ainda não havia nascido). Com letras geniais, perfeitamente integradas à narrativa, Nei Lopes compôs valsa, lundu, xote, quadrinha francesa, modinha, maxixe, fado, polca e muito mais, sempre com grande talento. Tivemos, Julia Romeu e eu, autoras do espetáculo, muito orgulho de fazer com Nei Lopes um trabalho integrado e harmônico, que contribuiu, creio, para o resultado final.
Abaixo, as letras de duas das canções mais divertidas de “Bilac vê estrelas”, a apresentação da espiã portuguesa, Eduarda Bandeira; e a descrição do Rio de Janeiro francês, da Belle Époque carioca:
SOLILÓQUIO DE EDUARDA
(Fado)
Flor amorosa e plangente
De Camões e Gil Vicente
De Camilo e de Pessoa!
Venho do Douro e do Minho
Trazendo amor e carinho
A esta terra tão boa.
Já tive muitos amores,
Loucos, poetas, cantores
Doutos na arte de amar
Com Gabriele D’Annunzio
Em breve e rápido curso
Aprendi a “pompoar”.
A quem não sabe o que é isso
Só digo que é um feitiço
Pra ser usado na cama
No famoso “amor de bica”
Aquele que bate e fica
Na lembrança de quem ama.
Hoje aqui neste outro meio
Nutro apenas o anseio
De conhecer os poetas
Quero ver de que são feitos
Seus alexandrinos perfeitos
E como medem seus metros
Apalpar suas cesuras
Escandir-me na loucura
Da poesia brasileira
Nem que no inferno eu me arda
Quero tudo o que me aguarda
Eu, Eduarda Bandeira!
TOUT LE RIÔ
(Polca)
O Rio de Janeiro
Já não perde pra Paris
Agora é lá e cá
É tudo vis-à-vis.
Lá na cidade-luz
Comi croquete de siri,
Então exijo aqui
Moqueca de escargot
Como dizia o grande
Monsieur Victor Hugô
C’est tout la même chose
C’est tout le Riô!
Qualquer confeitaria
Tem champagne e champignon
Cognac e anizette
E um bom filé mignon
E até casa de pasto
Já se esforça nessa arte
Tem menu a la carte
Foie gras, petit gateau
É a realidade
Tout le monde já notou
C’est tout la même chose
C’est tout le Riô!
Nas luzes da vitrine,
Lingeries e negligées
Rendas, popelines
Cachecóis e cache-nez
As calças e os culottes
De crochê e de tricô
O Rio civiliza-se
Em voo d’oiseaux
Mostrando a tout le monde
O que Paris lhe ensinou.
C’est tout la même chose
C’est tout le Riô!
Escrito no menu
Asperges gratinées
Entrées, glaces, desserts
Dindon farci, poulets
Aí, o freguês reclama:
“Escute aqui, Ô seu Ioiô,
Vatapá a la bahienne
Ofende a tradição nagô”.
O maître então faz pose
E diz com ar de professor:
C’est tout la même chose
C’est tout la même chose
C’est tout la même chose
C’est tout le Riô!