Remexendo nas estantes de uma livraria, meus olhos pousaram sobre dois livros pequenos, de capa dura — um azul, outro amarelo. Tinham uma delicadeza antiga, a começar pelo título ostentado por cada um: Caderno de viagem. E isso foi o que primeiro me atraiu. Quem, hoje em dia, faz cadernos de viagem? Eu faço. Faço pequenos diários sobre os lugares por onde passo e é uma delícia um dia, anos depois, ler as anotações. Mas o que estava ali diante de mim, naquela livraria, era coisa muito diversa.

Eram dois cadernos de viagem (da editora Bei), um sobre o Rio, outro sobre Paraty, escritos e desenhados por Pablo de la Riestra, argentino radicado na Alemanha, desenhista e historiador de arquitetura (como li na última página). Como eu estava para ir à feira literária de Paraty — e guardava ainda na memória, de visitas anteriores, a beleza homogênea, quase perfeita, daquele casario colonial sob o sol ou sob a lua cheia, com a maré alta formando canais venezianos nas ruas –, decidi comprar os livros e levá-los na bagagem.

Paraty, como todos sabem, é um deslumbramento a cada esquina. A harmonia do casario em seu centro histórico — que, por ser pequeno e plano, pode facilmente ser percorrido a pé — é perfeita. Eu já estivera lá muitas vezes, desde o tempo em que não havia estrada direito, no início dos anos 1970. Mas, desta vez, foi um prazer especial visitar suas ruas e olhar para os detalhes das casas, tendo nas mãos o livro de Pablo de la Riestra.

Antes mesmo de chegar a Paraty, li o livro inteiro (são apenas 84 páginas) e me encantei com os detalhes históricos sobre a ocupação da região, alternando períodos de apogeu e decadência, desde o nascimento da pequena aldeia à beira do rio Perequê-Açu, tornada oficialmente uma vila com a construção de seu pelourinho, em 1660, até o novo ciclo de prosperidade e turismo vivido agora.

Mas, como arquiteta vocacional que sou, nada me encantou mais no livro de Riestra do que seus desenhos e explicações sobre os detalhes arquitetônicos do casario. Foi assim que fiquei conhecendo os diferentes tipos de telhados, em duas, três ou quatro águas, com ou sem camarinha, com ou sem água-furtada, essa nomenclatura que me soa tão portuguesa, tão romântica, tão ancestral. Foi também através de seus desenhos e explicações que percebi os diferentes balcões, portais e janelas e o significado dos desenhos nas quinas dos casarões — as chamadas pilastras. E me deparei, encantada, com nomes e expressões como cornija, arquitrave, tondo, entablamento, beiral, platibanda, cimalha, verga, florões. E até mesmo uma “unha chinesa”, vejam só, que é o nome que se dá àquela telha que fica na pontinha do telhado, meio virada para cima, e que dá a muitas casas coloniais um toque de pagode oriental.

Ao chegar à cidade, saí com meu livro nas mãos. Pablo de la Riestra deu-se ao trabalho de desenhar, com detalhismo e precisão incríveis, quarteirões inteiros de Paraty, que são reproduzidos em páginas triplas, desdobráveis. Lá estão também as principais igrejas do centro histórico — Nossa Senhora dos Remédios, Nossa Senhora das Dores, Santa Rita (sempre nos cartões postais) e a do Rosário. E ainda casarões como aquele onde hoje funciona a Casa de Cultura e o que pertence à Família Real (detalhe que Riestra teve a delicadeza de ocultar, referindo-se à casa apenas como “Sobrado da rua Fresca”), em cujos jardins dom João de Orleans de Bragança costuma dar recepções.

Mas talvez o que mais me encantou foi a reprodução daquela que é considerada por muitos a mais bela esquina do centro histórico de Paraty: o ponto em que a rua da Praia encontra a rua da Ferraria. Nessa esquina, há dois sobrados, um diante do outro, e é difícil dizer qual o mais bonito. O livro traz desenhos dos dois, com explicações interessantíssimas sobre seus detalhes. Com a publicação nas mãos, podemos observar os desenhos geométricos das pilastras (que alguns interpretam como sendo símbolos da maçonaria — mas Riestra não acredita nisso), as lâmpadas com adornos em forma de abacaxi, os balcões de ferro trabalhado e, no caso do casarão que fica do lado oeste, os fabulosos canos em forma de corneta, para escoar a água da chuva. E foi através de Riestra que fiquei sabendo que esses dispositivos para escoamento d’água sempre são chamados de “gárgulas”, não importa o formato que tenham. Eu achava que só recebiam esse nome quando tinham cara de monstros, como aqueles da Catedral de Notre Dame, em Paris, ou do edifício da Chrysler, em Nova York.

E assim, com meu livrinho de capa azul nas mãos, o Caderno de viagem que em Paraty foi meu companheiro inseparável, nunca a linda cidadezinha fluminense me pareceu tão atraente, tão interessante. Agora, de volta ao Rio, já estou lendo o outro livro, o de capa amarela: nele, Pablo de la Riestra desenha e detalha as principais construções coloniais do Centro da cidade, como o Mosteiro de São Bento, o Paço Imperial, a Casa França-Brasil, a Candelária, o Convento de Santo Antônio, os Arcos, e também algumas de estilo eclético ou clássico, como o Municipal, o Albamar e a Biblioteca Nacional. Nele, já me deparei com um glossário com palavras lindas, como mísula, mainel, contraforte, coruchéu e tímpano do frontão. Maravilha! Em breve, sairei em campo com meu livro nas mãos. Afinal, apesar de nascida e crescida aqui, sempre gostei de fazer turismo no Rio.

 

Artigo do último número da revista Florense, disponível para assinantes e nas Lojas de Móveis Florense.

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