Ruy Castro diz que passou anos sonhando com duas coisas no Rio: a derrubada do elevado da Perimetral e a volta do Carnaval de rua – e teve a alegria de vê-las realizadas. Eu assino embaixo. Não por acaso, guardo em casa, na minha estante, uma pedrinha que catei no chão da Praça Quinze logo que o elevado foi ao chão. Para mim, tem valor igual ao de um caco do Muro de Berlim. Quanto à volta do Carnaval de rua, a mesma coisa: foi maravilhoso assistir a seu ressurgimento, também impensável pouco antes.

Para mim e para minha turma, nos anos 1970, ele praticamente já deixara de existir. Os bailes dos clubes, por sua vez, também estavam acabando, devido à grosseria da frequência. Era o reinado das escolas de samba que se consolidava. Nós, jovens, íamos aos ensaios das escolas, acompanhávamos o pré-Carnaval e sabíamos de cor os sambas-enredo – mas, quando chegava o Carnaval propriamente dito, não tínhamos como pagar para assistir ao desfile. Resultado: pegávamos nossas barracas e íamos acampar em Visconde de Mauá. O Rio ficava vazio nos dias de folia. Era o anti-Carnaval.

De repente, em algum momento da primeira década do século XXI, aconteceu. Um bloco aqui, uma banda ali, um rancho acolá, e a garotada foi chegando, chegando, tomando as ruas, enchendo a cidade com suas anteninhas de abelha, seus chifres de diabo, seus chapéus de pirata, seus tutus de bailarina. Olhávamos de nossa janela e não acreditávamos no que víamos. Todos fantasiados! Cantando velhas marchinhas! E jovens, muito jovens. Era o Carnaval de rua – espontâneo, livre, alegre – que ressurgia. Assim foi e está sendo. Ano após ano, os cordões só têm engrossado. Quem vai querer sair do Rio com uma farra dessas? Nosso velho sonho tinha se tornado realidade.

Pois bem. Mas aonde chegamos? Pode-se constatar que o cordão engrossou demais. O mais famoso deles, o da Bola Preta, já reúne quase dois milhões de pessoas. Qualquer bloco de rua – que, no início, era uma ação entre amigos – junta hoje em dia tantos foliões que, para sair, tem de contratar som, segurança, alugar banheiros químicos, controlar ambulantes. Tornou-se um negócio. Precisa de dinheiro, muito dinheiro – que só pode vir de um patrocínio. Faz- me lembrar o samba de Aldir Blanc e João Bosco: “Não põe corda no meu bloco, nem vem com teu carro-chefe, não dá ordem ao pessoal; não traz lema nem divisa, que a gente não precisa que organizem nosso Carnaval”. Pois é. Só que, nas dimensões atuais, é preciso organizar, para não virar bagunça, o caos. Então, o que fazer? Como encontrar a solução para organizar sem descaracterizar, sem tirar a espontaneidade? E como evitar o gigantismo?

Sei que é difícil. Mas precisamos parar e pensar, juntos, para não correr o risco de perder nosso Carnaval de rua outra vez. Porque as ameaças são muitas.

A primeira que me ocorre é a seguinte: os blocos mais marqueteiros são os que mais facilmente conseguem patrocínio. E estão conquistando terreno. Há dois anos que meus dois blocos preferidos – o Sassaricando e o Rancho Flor do Sereno – não fazem Carnaval porque não conseguiram patrocínio suficiente. Este ano, tivemos outra baixa: o Azeitona Sem Caroço, tradicional bloco do Leblon.

Enquanto isso, os blocos temáticos, sertanejos, roqueiros, pop, gospel, liderados por celebridades e coisas do gênero, estão ganhando força, tomando as ruas, e cada vez mais numerosos. Se não abrirmos o olho, logo os trios elétricos baianos, com seu axé e seus abadás, estarão enfileirados na Avenida Brasil, prontos para a invasão em massa.

Duvidam? Olhem que a Claudia Leitte já está rebolando à frente da sacrossanta bateria da Mocidade Independente… e de tampão nos ouvidos!

 

Artigo meu publicado na página de Opinião de O Globo, no dia 31 de janeiro de 2015

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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