Quando era criança, eu não gostava de Carnaval. Não é que não gostasse – eu tinha medo. Pavor. Carnaval para mim significava ganhar uma fantasia e ir passear, de mãos dadas com minha mãe, no Largo da Taquara (tínhamos um sítio em Jacarepaguá) ou no Centro da cidade. Nos dois casos, o que mais havia eram clóvis e mascarados de todos os tipos, muitos armados de ampolas de lança-perfume, algo que para mim se assemelhava a uma arma, pois havia sempre o risco de receber aquele líquido gelado no olho. Eu tinha pavor aos mascarados.

Afora essas idas à Taquara e à Cinelândia, o programa era ficar sentada no alto do muro do nosso sítio, fantasiada, com um saquinho de confete e outro de serpentina, à espera de que passasse alguém. Mas não passava ninguém. Nosso sítio ficava numa rua de terra, com pouquíssimo movimento, perto da Colônia Juliano Moreira, para doentes mentais. Era um deserto. Era melancólico.

Mas, assim que cresci um pouquinho, começaram os bailes. E, aí sim, passei a adorar Carnaval. Ia a bailes de clubes, primeiro AABB (Associação Atlética Banco do Brasil) e depois Sírio-Libanês, e me esbaldava. Sabia todas aquelas marchinhas de cor. Adorava. Lamentei muito quando os bailes se tornaram antros de baixaria, proibidos a “meninas de família” como eu. Mas aí, nessa mesma época, eu começava a prestar atenção às escolas de samba.

Já tinha ouvido o samba da Mangueira em homenagem ao Monteiro Lobato, que é de 1967, mas foi somente no Carnaval de 1969 que me apaixonei pelo desfile das escolas. Naquele ano, eu tinha ido ao baile do Sírio-Libanês e minha mãe ficara em casa, sozinha, para assistir às escolas pela televisão. Quando começou o desfile do Salgueiro, cantando “Bahia, os meus olhos tão brilhando, meu coração palpitando de tanta felicidade…”, ela começou a chorar. Tudo isso ela me contaria no dia seguinte: chorou de saudade de sua terra, a Bahia, de sua juventude, de seus pais, de quem se separou muito jovem, para se casar (vindo morar no Rio). Sentiu um aperto no peito. “Pensei muito em minha mãe”, disse, “porque ela sempre adorou Carnaval”.

Pois naquela mesma manhã de segunda-feira, o telefone tocou. Era da Bahia. Estavam tentando ligar havia horas (nesse tempo, fazer um interurbano era muito difícil). Era minha tia, para dizer que minha avó Guiomar, mãe de minha mãe, tinha morrido naquela madrugada.

No meu egoísmo juvenil, pensei imediatamente: “Pronto. Acabou meu Carnaval”. Mas não. Minha mãe, que era uma mulher moderna, de comportamento arrojado, mandou que eu fosse ao baile de noite. “Sua avó ia gostar”, disse. E eu fui. E a partir daí descobri que os desfiles das escolas – por mais que tenham mudado ao longo dos anos – têm uma mágica, uma beleza única. Guardam uma centelha de emoção que de repente dispara, fazendo o riso chorar.

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