Tomou um susto quando olhou o calendário. Tinha esquecido o próprio aniversário de casamento. O marido não se lembrava nunca dessas coisas, mas ela, sim. Dessa vez, justamente dessa vez, era uma data redonda: dez anos. E ela esquecera. Que pena. Podiam ter saído para jantar, feito alguma coisa.

A mulher sentou-se no sofá. Dez anos. De repente, veio-lhe à mente uma frase que seu médico repetia sempre, para fazê-la prestar atenção ao próprio corpo: “Você nunca teve 40 anos. Nem nunca mais vai ter”. A mulher sentia um arrepio ao ouvir isso, embora não entendesse muito bem por quê. E agora a frase lhe voltava, com uma nova roupagem: “Vocês nunca mais vão fazer dez anos de casados. Nunca mais”. Sim, isso é que era assustador, esse “nunca mais”. A sensação de que tinha perdido alguma coisa – de maneira irrevogável.

Nunca mais.

E não era a primeira vez que isso lhe acontecia. Antes, fora ainda pior. Muito mais do que um simples aniversário de casamento. Tinha acontecido durante uma viagem de trabalho a um país distante, com uma enorme diferença de fuso-horário. Chegara lá na véspera do seu aniversário de 33 anos. Mas, na agitação da chegada, em meio aos preparativos para a grande conferência de que participaria, ela se esqueceu do próprio aniversário! Quando se lembrou, já era o dia seguinte. Ficou estarrecida. E sentiu a pontada lá no fundo, que como o corvo no poema de Poe repetia – “Nunca mais”.

Continuou sentada no sofá, recordando. Pensou em outro momento que lhe causara uma sensação parecida, este muito antes, quando ainda era mocinha. Seria sua primeira festa de réveillon. Iam a um clube, ela e vários amigos, todos adolescentes, levados por uma tia. Mandou fazer um vestido, lembrava-se ainda, era de chiffon azul. Imaginava-se em um cenário como os de cinema, em que, quando batesse a meia-noite, as bolas de gás caíssem do teto, as serpentinas atiradas fizessem um trançado no salão, enquanto as pessoas se abraçavam, rindo e chorando. Era isso que queria, era por isso que ansiava naquela noite. O clube onde seria a festa era em Laranjeiras e, como a turma era grande, foram todos de ônibus. Em Copacabana, ficaram presos em um engarrafamento gigantesco. E passaram a meia-noite no ônibus. As lágrimas rolavam pelo rosto da menina, pingavam no vestido de chiffon azul. Teria outras oportunidades, muitos réveillons pela frente, dissera a tia. Mas ela, mesmo tão jovem, já sabia: aquele réveillon – precisamente aquele –, nunca mais.

Ora, que bobagem, pensou de repente. Levantou-se do sofá, com um gesto de impaciência. Eu aqui, com tanto a fazer, e lembrando de coisas que já aconteceram, que não têm mais jeito, são passado.

Passado.

E então parou. Com uma sensação de susto, pensou: esses últimos minutos aqui no sofá, eu os passei com a mente longe, sem prestar atenção enquanto eles escoavam. Esses minutos que – como todos os outros, como as horas e os dias dessa coisa louca que é o tempo – não poderão ser vividos de novo. Outros minutos parecidos, sim. Mas não os mesmos minutos. Esses não. Nunca mais.

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