“Baixo: área de intensa vida noturna, com grande concentração de bares e restaurantes, frequentada especialmente por jovens.”
É o que está escrito no dicionário Houaiss, na vigésima sétima acepção da palavra, caracterizada como informal e oriunda do Rio. Por causa dos cariocas, “baixo” virou sinônimo de aglomeração festeira. Tudo começou com o Baixo Leblon (em contraposição à região acima da Ataulfo de Paiva, que é chamada de Alto Leblon), depois vieram os quiosques Baixo Bebê, Baixo Vovô e aí não parou mais. Agora, temos o Baixo Bandeira.
Na melhor tradição do antigo Triângulo das Bermudas – a esquina do Baixo Leblon que juntava os restaurantes Real Astória (extinto), Diagonal e Pizzaria Guanabara (ainda firmes) –, três bares movimentam um recanto da rua Barão de Iguatemi, na Praça da Bandeira, região da Grande Tijuca geralmente só associada a calor e enchentes. Aconchego Carioca, Bar da Frente e Petit Paulette ficam no mesmo trecho da Iguatemi, ruazinha arborizada, cheia de casarões centenários e vilas com portões de ferro que parecem saídos das memórias de Nelson Rodrigues.
Pode ser uma surpresa para quem acha que o Rio é só Zona Sul, mas a Praça da Bandeira sempre foi uma região aprazível, de casas de classe média. Ali junto à Barão de Iguatemi, na rua do Matoso, moraram nos anos 1950 três rapazes que um dia seriam muito conhecidos: Erasmo Carlos, Tim Maia e Jorge Benjor. A calma das ruazinhas permanece, mas no trecho dos três bares o burburinho é total. Estive lá num fim de tarde tranquilo, no meio da semana, mas tenho amigos que já ficaram mais de duas horas à espera de mesa nos dias de mais movimento.
As três casas têm personalidades diferentes. Com paredes coloridas e redes penduradas no teto (sempre foi sua marca), o Aconchego Carioca é a mais sofisticada das três e funciona agora num belo casarão cor de salmão com toldos verdes, depois de ter ocupado o espaço menor, do outro lado da rua, que foi herdado pelo Bar da Frente (daí o nome). Aqui e ali, detalhes como os bonecos de Lampião e Maria Bonita na porta dos banheiros (limpíssimos) ou as bolachas de chope feitas de chita florida fazem a alegria de quem reconhece os méritos do chamado botequim pé-limpo. Dos três, o Petit Paulette é o que tem a decoração mais simples, mas é simpático e espaçoso. E os três restaurantes têm algo em comum: neles, a chamada baixa gastronomia carioca alcança níveis de altíssimo refinamento. O Baixo Bandeira é um lugar para quem gosta de comer e beber. Mas, como disse um amigo meu, “não é para um bebum qualquer, é para o bebum gourmet”.
No Aconchego Carioca, só a carta de cervejas tem quase duzentas marcas (mais de cinquenta brasileiras), incluindo produtos da Inglaterra, Holanda, Alemanha, Austrália, Espanha, República Tcheca, Argentina e do Canadá. No Bar da Frente, a carta é menor, mas também respeitável. E no Petit Paulette, o forte são as cachaças mineiras (mais de vinte marcas diferentes).
Mas é na comida que os três restaurantes se destacam. Só os nomes dos pratos já dão uma ideia do colorido gastronômico local. Além do fabuloso bolinho de feijoada – inventado pela proprietária Kátia Barbosa –, o Aconchego Carioca tem, por exemplo, o bolinho de feijão branco com rabada e a costela de porco com molho de goiabada; o Bar da Frente tem a lingüiça pinguça (flambada na cachaça), o arroz de puta rica (com carne seca, palmito, frango e ovos) e o risoto de rabada; o Petit Paulette tem a costelinha a passarinho com farofa de jiló e o croquelete, que são rolinhos de queijo e carne seca empanados em torresmo macerado. Mas são mesmo só exemplos. Tem muito mais. Só não dá para pensar na dieta.
Matéria feita para a revista Serafina, da Folha de S. Paulo, em outubro de 2010.