Era uma daquelas manhãs de outono que o Rio exibe de vez em quando e que faz a gente esquecer todos os problemas – os da cidade e os nossos próprios. Poucos dias antes, uma baleia e seu filhote tinham sido avistados no mar, assim como um cardume de sardinhas, mancha escura se movendo sob a superfície de um verde-azul escandaloso. Por isso, naquela manhã, eu tinha decidido ir até a ponta do Arpoador, dar um mergulho.
O Arpoador é um recanto da praia de Ipanema que eu conheço desde criança, ou melhor, desde bebê. Quando eu nasci, meus pais moravam no Jardim Botânico e sempre íamos à praia de carro – o fusquinha do meu pai. Estando de carro, podíamos escolher qualquer praia, mas quase sempre a praia escolhida era o Arpoador, justamente porque, ficando em uma extremidade, esse trecho forma um remanso, bom para as crianças brincarem sem susto. Era o que eu fazia. Naquele mesmo canto para onde me dirigia agora, eu, menina, brincava. Gostava especialmente de nadar no ponto em que a pedra adentra o mar, formando uma praia minúscula. Era ali, naquele pedaço, que eu catava tufos de algas, dizendo a mim mesma que eram pés de alface, perfeitos para o almoço das bonecas.
Caminhando pela calçada, fui chegando ao Arpoador. O mar estava outra vez transparente, e manso, quase sem ondas. Não havia cardumes nem baleias à vista, mas eu imaginava que, ao mergulhar, veria peixinhos pequenos passeando em torno de mim. Isso sempre acontece no Arpoador quando o mar está calmo e limpo.
Chegando ao extremo da calçada, desci pela pedra. Logo, estava dentro d’água. Ainda com água pela cintura, olhei em torno e vi os peixinhos esperados, pequenos filetes transparentes, quase se fundindo ao líquido em que nadavam. Fui adentrando o mar, passo a passo, afundando com gosto os pés na areia, a água já quase chegando aos ombros. Foi nesse instante que senti cócegas no pé. Pensei, com um sorriso, que fosse um dos peixinhos, passando por mim. Dei outro passo. A sensação se repetiu. E foi então, com susto, que me lembrei de uma coisa: na véspera, ao sair com uns sapatos meio apertados, tinha botado um pequeno esparadrapo no pé. A sensação que eu confundira com o roçar do peixinho na certa era o esparadrapo se desprendendo. Ele ia cair – e sujar meu mar encantado.
Dei meia-volta, apressei o passo em direção à areia. Mas, quando saí da água, vi que era tarde: o esparadrapo tinha desaparecido. Eu deixara uma pequena parcela de sujeira para trás.
Olhei para o mar à minha frente, lindo e transparente, apesar de tantas vezes maltratado, tantas vezes recebendo nossos rejeitos, nossos dejetos. Nós, seres humanos, que ainda não aprendemos a tratar bem do nosso planeta. E senti uma culpa enorme por aquele esparadrapo. E, claro, me veio à mente a pergunta que sempre nos ronda quando temos um mínimo de consciência ecológica: quantos anos?
Até quando meu esparadrapo resistiria até se desfazer no mar?
Quanto tempo?