O livro “Trêfego e peralta – 50 textos deliciosamente incorretos”, de Ruy Castro, já está nas livrarias. O livro, organizado por mim, traça um panorama dos 50 anos de jornalismo do escritor, trazendo textos publicados por ele nos mais diversos veículos da imprensa, incluindo alguns que marcaram época, e que já não existem mais, como o “Jornal do Brasil” e “O Pasquim”. São textos irreverentes, às vezes demolidores, mas sobretudo excepcionalmente bem escritos. “Trêfego e peralta” é uma aula de jornalismo.

Transcrevo aqui um pequeno trecho de um deles:

“Um clichê, como se sabe, é uma expressão ou frase feita que nos vem à boca ou aos dedos sem precisar passar pela cabeça. É um bloco de palavras que andam juntas e já nasce pronto para ser falado ou escrito – motivo pelo qual é logo adotado pelo povo, que não tem muito tempo para pensar. Como tudo que é dito ou escrito sem ser pensado, os clichês perdem rapidamente qualquer vestígio de significado e, quanto mais ocos se tornam, mais são usados.

Que o povo os adote, é normal. O que me intriga é o fato de os comentaristas econômicos de televisão os usarem até hoje. Eles continuam a dizer que o mercado ficou nervoso ou que a Bolsa despencou. E, talvez pela gravidade do assunto, cometem a proeza de dizer isso sem um toque de ironia. Na verdade, dão a essas frases uma ênfase de bronze, como se tivessem acabado de inventá-las.

Quem despenca é uva, quem amarga é fel e quem descarta é jogador de burro-em-pé. Diz o governo que é preciso reabilitar os ativos. Mas quem reabilita ativo é a ABBR. Os significados originais e primários das palavras vão perdendo o valor diante dos novos contextos em que os tais verbos passam a ser massacrantemente repetidos.” (O Estado de S. Paulo, 23/1/1999)

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