Foi num domingo desses. Caminhando no Calçadão de Ipanema, ao lado de uma amiga e do neto dela, de 13 anos, virei para o rapaz e disse:

– Sabia que, antes de você nascer, nada disso existia? Nem calçadão fechado aos domingos e feriados, nem ciclovia?

O menino me olhou, incrédulo.

– Sério?

Eu assenti. E continuei:

– Esta calçada de pedras portuguesas, por onde estamos andando, era um estacionamento de carros, que paravam em diagonal. A calçada era estreitinha, só se usava para limpar os pés de areia antes de entrar no carro. Todo mundo vinha à praia de carro.

– E, no lugar da ciclovia, era o quê? – perguntou o menino.

– Era uma das pistas da rua. Isso foi no início da década de 90. Para construir a ciclovia, foi preciso diminuir o canteiro central e remanejar as pistas. Deu a maior trabalheira. E foi um transtorno no trânsito. Muita gente foi contra.

O menino continuou me olhando. Não tenho certeza se estava acreditando. Mesmo nós, que éramos adultos no início dos anos 90, temos uma tendência a esquecer. Mal podemos crer, ao caminhar hoje pela calçada de Ipanema, que já vivemos sem ciclovia e sem pistas fechadas para aproveitar os domingos e feriados. É tão bom do jeito que é agora, tão natural. Estranho pensar que, na época, houve tanta controvérsia.

– Até o Millôr Fernandes foi contra, porque não queria que mexessem na pista da Avenida Vieira Souto – continuei.

O menino me encarava, à espera de mais explicações. Não tenho certeza se sabia quem foi o Millôr. Não importa. Àquela altura, eu já estava pensando alto. Fui em frente:

– O Millôr era anarquista, sabia? Era contra tudo que fosse obrigatório. O cinto de segurança, por exemplo. Ele achava que feria as liberdades individuais. Nunca pôs um cigarro na boca, mas era contra qualquer proibição de fumar. Hoje em dia, talvez fosse contra a Lei Seca. E quem sabe não estaria nas ruas, ao lado dos Black Blocs?

Minha amiga, avó do rapaz, me cutucou:

– Não exagera… [Risos]

A conversa com o neto da minha amiga – e a incredulidade dele sobre o passado do Calçadão – me levou a um exercício de futurologia. Daqui a vinte anos, eu, velhinha, estou passeando ao lado do bisneto de outra amiga. Mas não no Calçadão de Ipanema, e sim no bulevar da Praça Quinze, diante de todas aquelas construções antigas, o Museu Histórico, o Paço Imperial, o Chafariz do Mestre Valentim, o Arco do Telles, o casario da Ouvidor e seu entorno. Seguimos na direção do Mosteiro de São Bento e fazemos, a pé, o contorno do morro, bem junto ao mar, com aquela vista espetacular da Baía de Guanabara, a Ilha Fiscal brilhando ao fundo. Decidimos ir até o Aquário do Rio, na Avenida Rodrigues Alves, mas, como já estou cansada, vamos no VLT, deslizando suavemente pelo bulevar do Porto, com seus gramados e palmeiras, e tendo à nossa direita os armazéns restaurados. Aí eu me viro para o garoto e falo:

– Sabia que, antes de você nascer, nada disso existia? Era tudo horroroso, imundo, abandonado. Passava um viaduto aqui em cima. E, quando derrubaram, ainda teve gente que foi contra!

 

Texto publicado por mim no jornal “O Globo” no dia 31 de maio de 2014

 

 

 

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