No próximo dia 11 de março estreia em Porto Alegre uma nova montagem da minha peça “O lugar escuro”, sobre o Mal de Alzheimer. A peça, que em sua montagem original teve duas temporadas no Rio, além de apresentações em Curitiba e Fortaleza, é uma adaptação, feita por mim, do meu livro homônimo, lançado pela editora Objetiva em 2007. A montagem em Porto Alegre está a cargo de um dos mais importantes diretores gaúchos da atualidade, Luciano Alabarse, e tem no elenco Sandra Dani, Vika Schabbach e Gabriela Poester.

“O lugar escuro” será apresentado no Teatro do Instituto Goethe de Porto Alegre (Rua 24 de outubro, 112, Moinhos de Vento), sempre às sextas e sábados (21 h) e domingos (18h). A temporada vai até 10 de abril. Às sextas, após o espetáculo, serão promovidos debates a cargo da SPPA – Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre.

A nova montagem estreou em janeiro último, em Recife, no mais importante festival de Pernambuco, o “Janeiro de Grandes Espetáculos”, onde teve uma recepção calorosa.

Abaixo, o texto que, a pedido do diretor, eu escrevi para o programa da peça:

 

Fiapos de luz

Quando comecei a escrever o livro O lugar escuro (que daria origem à peça), eu tinha dúvidas se iria publicá-lo. Achava que era um texto confessional demais, feito só para mim mesma, uma forma de ancorar no papel os fantasmas que ainda me rondavam naquela época. Porque conviver com a doença de Alzheimer é algo avassalador, e você precisa encontrar um modo de se apaziguar.

Isso foi há dez anos. De lá para cá, muita coisa aconteceu. O livro acabou saindo (pela editora Objetiva, em 2007) e eu me vi de repente em meio a uma verdadeira tempestade emocional. Pessoas me procuravam – por telefone, por email, me parando na rua – para dizer o quanto o livro tinha mexido com elas. Às vezes, me abraçavam chorando. E sempre me agradeciam por uma coisa: por eu ter confessado minha raiva, minha revolta. Por não ter querido fazer o papel – que seria tão bonito – da filha boazinha.

“Você me aliviou”, diziam. “Porque eu também sentia raiva, mas não conseguia confessar.”

Outra coisa que me chamou atenção: as pessoas pareciam se identificar com o livro mesmo que não tivessem alguém com Alzheimer na família. “Eu tinha ciúmes do meu irmão, mas nunca admiti”, me disse um dia um leitor. Foi quando entendi que O lugar escuro não era apenas sobre a senilidade. Era também sobre relações familiares, ciúmes entre irmãos, rancores secretos, medo de enlouquecer, medo de morrer, essas coisas que fazem parte da vida de todos nós. Por isso, as pessoas se viam no livro.

Foi essa identificação que me motivou a transportar O lugar escuro para o teatro. Imaginei que as palavras, quando materializadas no palco e transformadas em carne e osso, fossem tocar ainda mais fundo nessas questões tão delicadas, que são as relações familiares. E, mesmo sem muita experiência com textos teatrais, me pus eu mesma a fazer a adaptação.

O resultado me surpreendeu, me fez viver experiências fantásticas, como na primeira leitura dramática que fizemos, em 2012 (no Centro Cultural Midrash, no Rio), quando o papel da mulher mais velha foi feito por ninguém menos que Fernanda Montenegro. Ou quando, já na temporada em teatro, em 2013, com Camilla Amado (ao lado de Clarice Nikier e Laila Zaid) no papel que fora lido por Fernanda, ouvíamos os soluços – e, curiosamente, também as gargalhadas – na plateia do Espaço Sesc, em Copacabana. Ou, ainda, nas apresentações populares que fizemos nas arenas e lonas culturais da Prefeitura do Rio, em 2014. Numa delas, havia mais de vinte crianças na plateia e, antes de começar o espetáculo, eu me perguntava o que poderia acontecer. “Por que será que trouxeram crianças para assistir a uma peça sobre Alzheimer?”, pensava. O espetáculo começou e, para minha surpresa, as crianças ficaram em silêncio, na maior atenção. E, ao final, no debate que se seguiu, percebi, espantada, que elas tinham entendido tudo.

Viajamos também com a peça. Fomos a lugares tão díspares e distantes entre si como Curitiba e Fortaleza. Mas em todos eles encontrávamos sempre alguns pontos em comum: havia emoção, havia riso e pranto (o que me fazia pensar nas duas máscaras que são o símbolo do teatro).

E agora temos essa nova experiência aqui em Porto Alegre. Uma nova montagem, um novo diretor, novas atrizes. Certamente será diferente. Mas tenho certeza de que será, também, e mais uma vez, uma mistura de sensações. Boas e ruins. Porque nesse lugar escuro em que mergulhei – o lugar da doença, dos rancores, da revolta, mas também da compaixão e do amor –, sempre acabei por encontrar fiapos de luz. E espero que vocês também.

Heloisa Seixas

 

 

 

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