A crise chegou às escolas de samba. Ao ouvir isso, pensei: Oba! Menos dinheiro significa menos patrocínios esdrúxulos e menos luxo, mas, quem sabe, mais criatividade. Ou seja, mais samba e menos espetáculo.
Mas acho que me enganei. Mal me enchi de esperança e li uma nota (na coluna Gente Boa, do GLOBO) dizendo que a Liesa, por causa da falta de dinheiro, estuda reduzir o número de carros alegóricos obrigatórios, de seis para cinco (o que seria ótimo), e – aí é que vem o problema – o tempo dos desfiles das escolas, de 82 para 70 minutos. Ora, se as escolas já passam marchando, quase correndo, e se o ritmo alucinado dos últimos anos já vinha desfigurando completamente o gênero samba-enredo, o que será do desfile se tiver de acontecer com 12 minutos a menos?
Por ironia, no mesmo dia da nota sobre essa infeliz ideia da Liesa, li também a matéria sobre a crescente dificuldade das baianas em acompanhar o ritmo dos novos tempos. As baianas são e devem continuar um patrimônio intocável das escolas de samba. Mas elas estão sofrendo. O número mínimo das alas de baianas, antes de cem componentes, já caiu para 70. Muitas senhoras deixaram de desfilar porque se tornaram evangélicas. E as que continuam têm de se desdobrar, com roupas cada vez mais pesadas, coreografias complexas e – o pior de tudo – uma correria desumana.
Desfilei outro dia no alto de um caminhão de som de um bloco da Zona Sul. E fiquei observando um dos cantores do samba, um puxador (perdão, Jamelão) profissional, embora ainda muito jovem. Num dos intervalos do bloco, ele puxou alguns sambas-enredo históricos, para animar a rapaziada. Quando cantou “Aquarela brasileira”, de Silas de Oliveira, percebi que deu ao samba um andamento aceleradíssimo, como se estivesse na Sapucaí, com minutos preciosos escoando. E tudo ali era só brincadeira. Talvez ele, por ser jovem, só conheça o samba dessa forma, corrido a ponto de não se poder apreciar sua beleza.
Não sou purista em matéria de samba, nem acho que só o de antigamente é que era bom. Como acompanho os desfiles desde o fim dos anos 1960, posso dizer sem vacilar que a espetacularização do desfile fez bem às escolas. Não por acaso, os três desfiles considerados os maiores de todos os tempos – o “Bum-bum paticumbum”, do Império Serrano, em 1982; o “Kizomba”, da Vila Isabel, em 1988; e o “Ratos e urubus”, de Joãosinho Trinta, pela Beija-Flor, em 1989 – todos aconteceram, como se vê, na década de 80. Sendo que os dois últimos já foram no Sambódromo.
Mas o terreno pisado pelas escolas torna-se cada vez mais perigoso, distanciando-nos da essência do samba, que é, acima de tudo: ritmo, letra e melodia. Ou seja, a música, não o visual. É preciso encontrar um meio termo entre a tradição e o espetáculo – uma equação difícil, mas que pode ser alcançada. As escolas podem fazer modificações e abrir mão de muitas coisas, exceto do elemento fundamental, que é o próprio samba. E é o que ameaça acontecer: sai a beleza e entra de vez a corrida contra o relógio.
Matéria minha publicada no GLOBO em 6 de fevereiro de 2016.